"Vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque vou para cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo para uma serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida para mim que vivo na floresta e para vocês também que vivem nos centros urbanos."

Zé Claudio, assassinado em maio de 2011.



quinta-feira, 31 de maio de 2012

O direito do povo ao PLEBISCITO!

Há algum tempo venho repetindo através das redes sociais e acredito que em algumas postagens desse blog, sobre a necessidade (urgente) de um plebiscito para decisões polêmicas como a construção de Belo Monte e as alterações do Código Florestal.

Felizmente Leonardo Boff, muito mais capacitado  que eu, também defende esta idéia. Abaixo um texto do autor, sobre o tema, publicado no Pragmatismo Político.

Por Leonardo Boff
Lamento profundamente que a discussão do Código Florestal foi colocada preferentemente num contexto econômico, de produção de commodities e de mero crescimento econômico.

Isso mostra a cegueira que tomou conta da maioria dos parlamentares e também de setores importantes do Governo. Não tomam em devida conta as mudanças ocorridas no sistema-Terra e no sistema-Vida que levaram ao aquecimento global.

Este é apenas um nome que encobre práticas de devastação de florestas no mundo inteiro e no Brasil, envenenamento dos solos, poluição crescente da atmosfera, diminuição drástica da biodiversidade, aumento acelerado da desertificação e, o que é mais dramático, a escassez progressiva de água potável que atualmente já tem produzido 60 milhões de exilados.

Aquecimento global significa ainda a ocorrência cada vez mais frequente de eventos extremos, que estamos assistindo no mundo inteiro e mesmo em nosso país, com enchentes devastadoras de um lado, estiagens prolongadas de outro e vendavais nunca havidos no Sul do Brasil que produzem grandes prejuízos em casas e plantações destruídas.

A Terra pode viver sem nós e até melhor. Nós não podemos viver sem a Terra. Ela é nossa única Casa Comum e não temos outra.

A luta é pela vida, pelo futuro da humanidade e pela preservação da Mãe Terra. Vamos sim produzir, mas respeitando o alcance e o limite de cada ecossistema, os ciclos da natureza e cuidando dos bens e serviços que Mãe Terra gratuita e permanentemente nos dá.

E vamos sim salvar a vida, proteger a Terra e garantir um futuro comum, bom para todos os humanos e para a toda a comunidade de vida, para as plantas, para os animais, para os demais seres da criação.

A vida é chamada para a vida e não para a doença e para morte. Não permitiremos que um Código Florestal mal intencionado ponha em risco nosso futuro e o futuro de nossos filhos, filhas e netos. Queremos que eles nos abençoem por aquilo que tivermos feito de bom para a vida e para a Mãe Terra e não tenham motivos para nos amaldiçoar por aquilo que deixamos de fazer e podíamos ter feito e não fizemos.

O momento é de resistência, de denúncia e de exigências de transformações nesse Código que modificado honrará a vida e alegrará a grande, boa e generosa Mãe Terra. Agora é o momento da cidadania popular se manifestar. O poder emana do povo. A Presidenta e os parlamentares são nossos delegados e nada mais. Se não representarem o bem do povo e da nação, de nossas riquezas naturais, de nossas florestas, de nossa fauna e flora, de nossos rios, de nossos solos e de nossa imensa biodiversidade perderam a legitimidade e o uso do poder público é usurpação. Temos o direito de buscar o caminho constitucional do referendo popular. E aí veremos o que o povo brasileiro quer para si, para a humanidade, para a natureza e para o futuro da Mãe Terra.



Já que as manifestações virtuais e presenciais por todo o Brasil foram simplesmente ignoradas. Já que a presidente Dilma, aceitou fazer parte desse teatro bizarro, nós temos o direito a um referendo popular. Nós TEMOS o direito de viver e atuar em democracia e não assistir a tudo, calados, enquanto repartem e vendem o país inteiro para homens poderosos e corrruptos.

PLEBISCITO JÁ!




sexta-feira, 25 de maio de 2012

Hospital Público Veterinário em São Paulo

"...I have a dream..."

Todo protetor de animais, todo ser-humano que tem compaixão genuína pelos animais compartilhava esse sonho: um hospital público veterinário.

E esse dia chegou. A Folha noticiou aqui e no site do vereador Tripoli - incansável protetor dos animais - também foi divulgada essa grande vitória.

É claro que para mim ainda é pouco. Um hospital público para uma cidade como São Paulo está longe de ser suficiente, mas se levarmos em conta, que até bem pouco tempo atrás, animais eram assassinados em massa nos CCZs, esta iniciativa é reconfortante. Finalmente o poder público está tratando a situação de milhares de animais com o devido respeito e seriedade que o tema merece.

E apesar de ser muito oportuno inaugurar um hospital público veterinário e encher de alegria o coração de milhares de simpatizantes da causa animal, bem em ano de eleição. Hoje eu vou tratar de enxergar o mundo mais cor-de-rosa e ignorar o jeito torto de se fazer política nesse país.

Que o sonho se expanda, que em breve outros bairros de São Paulo recebam outras unidades e que um dia essa seja a nossa realidade NACIONAL!

           O Shiver ilustra essa postagem porque é um exemplo de vitória. Teve cinomose, ainda filhote, mas sobreviveu para contar a história

E para encerrar a postagem com chave de ouro, no Senado estão sendo discutidas alterações na legislação penal para quem abandona, tortura ou mata animais, domésticos ou selvagens...O que me faz acreditar um pouco mais na humanidade.

No meu bairro, nessas últimas semanas, vi 5 filhotes conseguirem lares - com adotantes responsáveis - uma cadelinha abrigada pelos trabalhadores do posto de gasolina e mais outra cadela, que estava com sarna, foi curada e castrada pela funcionária e dona da loja do material de construção.

E essa semana se encerra muito bem para mim. Obrigada!!!



quinta-feira, 24 de maio de 2012

Compostagem


Os tesouros encontrados na compostagem...

Obra de arte da natureza, a sementinha escolheu a casca do ovo para se abrigar

"Abacateiro acataremos teu ato, nós também somos do mato como o pato e o leão"

 
Sementes de algum tipo de feijão, qua ainda não identifiquei...agora é esperar para ver

 
as cenouras que brotaram

 
Cebolinha, desconfio que os talos brotam até no cimento...


Em certo momento minha compostagem estava dessa forma...
as sementes de melancia formaram essa espontânea e linda plantação, mas infelizmente um dos meus cachorros acabou com a festa...

Em breve novas fotos do que será meu novo espaço de cultivo a prova de cachorros...











terça-feira, 15 de maio de 2012

O Pálido Ponto Azul

Uma das indicações no artigo de Henrique Mumme sobre as alterações do código florestal, que resolvi colocar aqui numa outra postagem. Mais do mesmo, do que tantos de nós falamos, mas a maioria insiste em ignorar.

Vale cada um dos 6 minutos.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

O QUE DEVEMOS SABER SOBRE A LEI QUE ALTERA O CÓDIGO FLORESTAL

Este artigo é de um velho conhecido meu. Ainda não havia lido nada mais completo, detalhado e esclarecedor. Aprendi um pouco mais. Há dezenas de outras indicações de leitura e vídeo. E vale cada parágrafo. Dedique um pouco do seu tempo e entenda todas as questões que envolvem essa polêmica. Para leigos e interessados.




O QUE DEVEMOS SABER SOBRE A LEI QUE ALTERA O CÓDIGO FLORESTAL

Autor: Engenheiro Agrônomo Henrique Mumme Harger da Silva

APRESENTAÇÃO

Com o objetivo de colaborar para o esclarecimento da população em geral sobre a Lei que altera o Código Florestal, elaborou-se o texto a seguir com base, inspiração e motivação, nas apresentações da Dra. Silvia Jordão (Geógrafa) e Mestre Roberto Varjabedian (Biólogo), realizadas no Anfiteatro de Geografia da USP, em 03/05/2012, sob orientação da Professora Dra. Sueli Angelo Furlan do Departamento de Geografia - FFLCH-USP, bem como no documento sobre o tema, de outubro de 2011, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), e nas aulas, trabalhos e apresentações do Professor Dr. Sergius Gandolfi e Professor Dr. Flávio Bertin Gandara, ambos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, onde com muito orgulho me formei.

TÓPICOS




























Há uma forte percepção por parte do meio acadêmico de que as mudanças na legislação são espelhadas no momento desenvolvimentista que vivemos atualmente. Há forças de grande poder econômico “batendo de frente” com a legislação ambiental, sem espaço para muita negociação.

As mudanças no Código Florestal não são somente a “cereja do bolo” após uma série de medidas enfraquecedoras das Leis e demais medidas protecionistas ao ambiente (como a divisão, desarticulação e sucateamento de órgãos licenciadores, os cortes de verbas para parques, reservas nacionais, indígenas e unidades de conservação), mas também o “topo de um iceberg”, visto que desencadeará alterações em demais legislações federais, estaduais e municipais, como por exemplo, a “Lei da Mata Atlântica” que, diga-se de passagem, apesar de seus pontos positivos, já exibe uma série de pontos controversos, criticados inclusive por especialistas da área.

Para quem trabalha com embasamento nas Leis ambientais, está claro que já há muito tempo vêm ocorrendo uma “desconstrução da legislação ambiental”. A tentativa de anistiar legalmente as multas geradas pela aplicação do Código Florestal, por exemplo, ocorre há quase dez anos.

Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2015/2000, em tramitação na Câmara Federal, que visa suprimir a autonomia da União na demarcação de terras indígenas, criação de Unidades de Conservação e reconhecimento de áreas remanescentes de Quilombos. Mas esta não é a única matéria em tramitação no Legislativo a preocupar. A PEC 38/1999, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), em tramitação no Senado, pretende submeter demarcações de reservas indígenas à aprovação privativa da Casa, e também limitar a 30% dos territórios dos Estados as áreas demarcadas, ou Unidades de Conservação Ambiental. Em suma, o Congresso em breve poderá ter o poder de demarcar, ou melhor, redefinir as Reservas Indígenas e Unidades de Conservação a seu bel prazer.

Também está em curso: alteração da Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), regularização da mineração em terras indígenas, redefinição (entenda-se redução) de Unidades de Conservação para implantação de Usinas Geradoras de Energia (como ocorreu com Tapajós), a já citada fragmentação e sucateamento de órgãos e instituições ambientais, interrupção da criação de novas Unidades de Conservação, menor aporte de verbas para áreas de conservação e preservação regulamentadas, monetarização da natureza, dentre outros.

No que tange especialmente à redefinição de Reservas Indígenas e Unidades de Conservação, além da permissão para que grandes empreendimentos geradores de energia ou de mineração se instalem dentro das mesmas, possuo uma experiência pessoal muito forte, que marcou minha vida, quando participei de uma reunião em 2006, junto com os líderes dos setores ambientais de todos os grandes grupos geradores de energia no Brasil. Esta experiência está devidamente relatada no documento denominado “Raios X de uma Reunião”, que em breve divulgarei acesso, onde posso adiantar que, de forma impressionante, funcionou como um livro de “prognósticos da escuridão”, por assim dizer, permitindo prever toda a desarticulação do protecionismo ambiental colocada em prática (como favor prometido aos interessados), relacionada com a subida ao poder de Dilma, na época Ministra de Minas e Energia.

Então, face ao exposto, recomenda-se enxergar as alterações ao Código Florestal dentro de um cenário mais abrangente no tempo e espaço.




A cobertura realizada pela imprensa geralmente não esclarece a gravidade da questão e nem mesmo ajuda na resolução, uma vez que não se aprofunda ou a abrange de forma satisfatória, pulverizando o tema. A discussão na grande mídia em oposição à Lei, quando existe, restringe-se à anistia. Praticamente todas as grandes emissoras se manifestaram a favor dos ruralistas e do poder econômico vigente, terminando reportagens extremamente incompletas (sem começo, meio e fim) com frases do tipo “não há sentido em se vetar uma Lei que ficou treze anos sendo discutida”, como se o tempo de discussão de uma Lei importasse mais do que o “como”, “por quem”, “em que condições”, e “porque”.

Os princípios relacionados à temática estão sendo constantemente minados e, em alguns casos, não estão claros para as próprias entidades, órgãos e grupos correlatos. O convencimento das pessoas depende da clareza dos conceitos, e poucos estão se empenhando o suficiente para torná-los claros e acessíveis.




Podemos ir muito além de dizer e escrever “veta Dilma”, pois como você poderá comprovar através deste documento, este é só um primeiro e “tímido” passo, apesar de muito importante.

As entidades contrárias à nova Lei devem ser identificadas, se unir de forma organizada e reivindicar que a constituição e a comunidade acadêmica sejam consideradas na composição da legislação.

Há uma dificuldade histórica em mobilizar as pessoas a respeito de qualquer assunto aqui no Brasil, uma vez que as realidades sociais são tão diferentes, assim como os problemas que afligem cada uma destas classes. Há ainda uma forte distração da população através de mecanismos específicos vinculados pela mídia “mainstream” que, além de servirem a tal propósito, geram muito lucro às emissoras. Nem mesmo os Síndicos dos edifícios (quando raramente bem intencionados) conseguem mobilizar os moradores para os problemas que estão próximos deles. O microcosmo de um condomínio emula ou espelha o macrocosmo da nação. Difícil saber quem espelha quem, mas a verdade é que, desde que fomos colonizados ou fundados, o Governo é o responsável formal e quem detém os maiores e mais efetivos poderes para mudanças (além de seus membros constituintes da alta hierarquia serem muito bem pagos, e arrecadarem grande quantidade de impostos para que os serviços sociais funcionassem de fato adequadamente).




Nossa nação padece com a dificuldade histórica de elaborar, regulamentar e executar de forma apropriada suas Leis, principalmente as ambientais, que sempre foram enxergadas equivocadamente como entraves aos empreendimentos.

O Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65) na realidade substitui o de 1934 (Decreto Federal 23793/34), elaborado no governo de Getúlio Vargas, onde é relevante a informação obtida junto ao portal SOS Florestas: “Infelizmente, assim como aconteceu anteriormente, essa Lei teve pouco sucesso. Vicejou seu descumprimento e total desprezo, tanto por parte da sociedade como do Poder Público. Já em 1945, Luciano Pereira da Silva, que foi seu relator enquanto tramitava no Congresso Nacional, reconhecia a precariedade na execução de seus dispositivos, decorrente da inércia, por displicência, das autoridades estaduais e municipais, quando não a resistência passiva e deliberada".

Cabe salientar que ambos os Códigos não procuravam limitar o direito à propriedade, e sim disciplinar seu uso em função da relevância ambiental da área.

Somente depois de três anos de discussões (grupo de trabalho formado em 1962) se obteve o Novo Código Florestal, durante o governo de Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro Presidente do regime militar instaurado pelo Golpe Militar de 1964, que morreu em circunstâncias misteriosas, em um acidente aéreo mal explicado nos inquéritos militares, quando estava organizando com o Senador Daniel Krieger um movimento contra o endurecimento do regime.

O Código Florestal de 1965, diferentemente do que os ruralistas apregoam, teve um embasamento científico muito forte, relevando os trabalhos acadêmicos de diferentes áreas correlatas até então desenvolvidos.




Além de todas as referências bibliográficas citadas no documento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), que contesta diversas alterações impostas pela nova Lei, discorrerei sobre alguns aspectos, principalmente baseado nas apresentações da Dra. Silvia e Mestre Roberto, citados anteriormente.

O documento da SBPC e da ABA pode ser acessado na íntegra através do link:


O conhecimento científico sobre os temas abordados pelo Código Florestal é vasto e se encontra facilmente acessível. Portanto, há muita informação disponível sendo ignorada neste processo. Infelizmente isto é comum de se observar na política, não só de nosso país, mas de todo o globo, que é majoritariamente desprovida de técnica ou assistência científica, acarretando em perdas sociais incomensuráveis.

Uma vez que a educação pública, com suas escolas e universidades, representa um investimento de magnitude significativa, porque então não é considerada adequadamente pelo Governo?




Dentre as bases geomorfológicas abrangidas pelo Código Florestal de 1965, podemos citar a consideração da dinâmica natural do relevo, o armazenamento hídrico dos solos, dos mananciais de superfície e subsuperfície, e a qualidade das águas. Os mananciais (fontes de água) dependem diretamente do equilíbrio dos processos geomorfológicos.

A dinâmica do relevo é dada por processos exógenos e endógenos que ocorrem desde o nascimento desde Planeta (estima-se que há cerca de 4,54 bilhões de anos). A maior parte do relevo terrestre é recoberto por materiais inconsolidados, ou seja, que não estão fixos e, portanto, se movimentam. As placas tectônicas operam de forma localizada e em escalas temporais diversas, e o clima, por sua vez, atua constantemente.

Há áreas mais sensíveis ambientalmente, onde os processos geomorfológicos ocorrem de forma mais intensa e frequente, com alterações súbitas, como nas margens de rios, áreas mais declivosas, e nas proximidades de vulcões em atividade.

Estas áreas mais susceptíveis às alterações do relevo (intensidade e frequência dos processos) são denominadas “nevrálgicas” e normalmente possuem outras importâncias correlatas, relacionadas não só ao Meio Físico, mas também aos Meios Biótico (fauna e flora) e Socioeconômico (nós todos, como comunidades humanas), e nada mais são do que as denominadas APP (Áreas de Preservação Permanente), com múltiplas funções ecossistêmicas e de caráter integrado.

Em relação à criação das APP, além do Código Florestal, são importantes as Resoluções CONAMA que acrescentam, complementam e detalham estas áreas, como as Resoluções 004/85 e 303/2002 (veredas, topos e terços superiores dos morros e montanhas, linhas de cumeada, escarpas, bordas de tabuleiros e chapadas, rampa de colúvio, restingas, manguezais, dunas, altitudes a partir de 1.800 metros, refúgios e áreas de reprodução de aves migratórias, praias, etc.).

Em tese, as políticas públicas deveriam proteger a população, tornando as sociedades mais seguras, como por exemplo, em áreas onde há frequentes abalos sísmicos, nos casos em que Leis específicas orientam construções feitas de forma a não desabar. No Chile e Japão as edificações são feitas com metais recobertos de gesso ou outros materiais menos densos, de forma que durante um tremor elas envergam, mas normalmente não desabam, diminuindo os riscos de ferimentos letais.

No Brasil, os principais problemas de segurança da população são relacionados à ocupação de áreas de risco, principalmente pela população de menor renda. A população de alta renda geralmente está relacionada à ocupação indevida nos topos de morro, como é o caso do Hotel “Blue Mountain” em Campos do Jordão, e de inúmeros loteamentos de alto padrão, além é claro, do uso destas áreas para produção industrial, agrícola e pecuária, que implica em riscos indiretos à população, relacionados às contaminações e exaustão de recursos essenciais.

A Pousada Sankay em Angra dos Reis foi protagonista de uma grande tragédia no ano de 2010, quando foi soterrada por um grande deslizamento, chamando atenção para o fato de que a ocupação nas bases de áreas declivosas também oferece grande risco por conta do deslocamento de massa acima. Mesmo onde não ocorrem deslizamentos de massa, pode ocorrer erosão acelerada do solo.

Aparentemente, de acordo com informações coletadas e compiladas em trabalhos acadêmicos, a maioria dos deslizamentos de massa ocorre entre 25° e 35°, apesar de o Código Florestal de 1965 considerar como APP apenas a declividade a partir de 45°, no entanto, o Artigo 10 deste mesmo Código considera também o intervalo de maior ocorrência de deslizamentos, conforme a seguir:

Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toras, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes”.

Com a nova Lei a redação relacionada ao assunto se encontra no Artigo 11, conforme a seguir:

Em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública e interesse social”.

Nesta nova redação não fica clara a proibição quanto à derrubada de florestas, uma vez que “manejo florestal sustentável” e “atividades agrossilvipastoris” são termos muito mais abrangentes e com maiores margens de interpretação. Além disso, infraestrutura física geralmente significa obras de engenharia que suprimem vegetação e impermeabilizam o solo.

A Dra. Silvia Jordão, ao final de sua apresentação, deixou a seguinte pergunta como reflexão: “Será que uma Lei pode realmente mudar a dinâmica natural do relevo?”.




Atualmente grande parte do entulho gerado pela construção civil nas grandes cidades, como São Paulo, tem tido como destino os litorais, onde há firmas ou pessoas que pagam por este material, utilizando-o para aterro de áreas úmidas, como veredas, brejos, restingas e manguezais. As ocupações urbanas nestes locais obviamente apresentarão, dentre outros problemas, um escoamento de água e esgoto muito deficitário, uma vez que a área é naturalmente alagada e possui baixa declividade, de forma que a água só poderia escoar com eficiência para um depósito escavado no fundo do mar.

As raízes do mangue retêm sedimentos, estabilizam as margens e enriquecem o ambiente estuarino, vital para espécies diversas, como camarões, caranguejos, moluscos, e outras que se reproduzem, alimentam e depois migram para o alto mar.

Na nova Lei se manteve a proteção aos manguezais, mas se removeu as áreas denominadas “apicuns” e “salgados”, excetuando-as da APP. No entanto, estes ambientes fazem parte dos manguezais e são vitais para este ecossistema, funcionando como meios de cultura para cianobactérias que constituem base da cadeia alimentar, como área de expansão do mangue quando há alteração dos níveis d’água, como auxiliar na reprodução de caranguejos (dentre outras funções), tendo sido removidos principalmente em prol do interesse da carcinicultura (cultivo de camarões) que atualmente impacta de forma extremamente negativa e significativa os ambientes de mangue, principalmente no nordeste do país (Rio Grande no Norte e Ceará), onde ocorre intervenção agressiva com supressão que impede a regeneração, contaminação pelos efluentes da produção, salinização do solo e do lençol freático, desequilíbrio na fauna de peixes, crustáceos e moluscos, conflitos com extrativistas ribeirinhos que vivem do mangue (foram reportados até mesmo assassinatos), dentre outros. Este modelo de grande carcinicultura é extremamente insustentável e prejudicial ao ambiente.

A remoção da classificação de APP de ambientes integrantes do manguezal (apicuns e salgados) não só irá manter os impactos atuais da carcinicultura, como permitirá ampliações. A FAO estima que cerca de 50 mil hectares de manguezais já tenham sido perdidos entre 1980 e 2005.






As enchentes ocorrem de forma periódica ao longo dos anos, como é o caso no Vale do Itajaí, em São Paulo capital, em São Francisco do Sul (grande parte sobre restinga), entre inúmeros outros que protagonizam reportagens todos os anos, principalmente por conta da ocupação irregular nas áreas de cheias naturais dos rios, ou de elevação da maré. Rios com meandros possuem o chamado “cinturão meândrico” ou “faixa meândrica”, ou seja, o leito maior do rio na época chuvosa, cuja determinação depende do período de retorno, normalmente de 100 anos.

São exemplos de rios originalmente com meandros no Estado de São Paulo: Rio do Peixe, Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, dentre outros. As lagoas marginais, que entram em contato com os rios sazonalmente, são de importância enorme para a vida aquática. Em alguns casos, a largura da área de alagamento natural ultrapassa 1.500 metros. O curta documentário de 2009, denominado “Entre Rios”, de Caio Ferraz, que pode ser acessado no link http://vimeo.com/14770270, contribui ao entendimento da questão. Para este assunto ainda contribui de forma extremamente valiosa o trabalho “Áreas de Preservação Permanente relacionadas aos mananciais no Estado de São Paulo” – BOIN M.N. et al. (diversos autores integrantes do CAO - CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE URBANISMO E MEIO AMBIENTE) - 2007.

Infelizmente nosso Governo, em sua forma de fazer política, demonstra uma preferência geral pela remediação do que pela prevenção, o que talvez seja explicado em parte pelo sistema de lucro consolidado relacionado aos mecanismos de reconstrução após desastres (algumas ações, como a dragagem, são responsáveis por gastos monstruosos, que dragam efetivamente o dinheiro público, mas de forma extremamente questionável os fundos dos corpos hídricos). A dragagem para desassoreamento em rios, lagos, canais e mesmo em portos são cada vez mais intensas e frequentes (além de mais dispendiosas).

Com as alterações no Código Florestal, a poluição atmosférica e dos corpos hídricos tende a se acentuar gravemente. Muitos tipos de solos naturais são normalmente excelentes filtros físicos, químicos e biológicos, purificando a água percolada. Por conta disso que as águas em profundidade geralmente exibem melhor qualidade. Desprovido de cobertura vegetal, parte deste filtro natural é comprometida, o solo se torna mais susceptível à erosão e acumula menos água, de forma que o abastecimento de nascentes e lençóis freáticos diminui, e o “run-off” (escorrimento) aumenta (mais lixiviação e erosão), por consequência aumentando a vazão dos córregos (mais água chegando mais rápido), diminuindo suas calhas (assoreamento) e elevando as chances de enchentes e contaminação das águas (nutrientes do solo, matéria orgânica, adubos, agrotóxicos, dentre outros).

As metragens para determinação da APP, quando existentes ao caso específico (algumas deixaram de existir com a nova Lei) continuam as mesmas, porém, a referência para medição foi alterada, e de forma drástica. A faixa de APP deve ser determinada a partir do nível mais alto conhecido para o curso d’água (área de cheia sazonal), de preferência usando estudo para o período de cheias em período de cem anos. No entanto, a nova Lei fala em medição a partir do leito regular, o que implica diretamente na perda de áreas de várzea, as quais de acordo com o texto poderão ser exploradas na produção agrícola.

A faixa de 50 metros para APP de vereda desapareceu, bem como das áreas de várzea. Além da perda propriamente dita, de uma área sensível essencial para manutenção de diversos organismos aquáticos que deveria ser protegida por uma APP, teremos um incremento na contaminação de corpos hídricos por agrotóxicos.

O Brasil gasta anualmente quase dois bilhões de dólares com venenos, e cerca de 80% dos agrotóxicos produzidos no país são fabricados no Estado de São Paulo. Segundo a ANVISA, o Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo, e o primeiro na América Latina. Em reportagem de 2011, o gerente geral de toxicologia da ANVISA, Luiz Cláudio Meirelles, informa que em determinadas amostras (frutas, legumes e verduras) havia mais de cinco tipos diferentes de agrotóxicos não autorizados. Em 2006, o resultado de um estudo norte americano revelou que pelo menos um pesticida foi encontrado nas águas de todos os rios amostrados nos EUA.

De que adianta produtores de morango obterem frutos grandes, brilhantes e de vermelho intenso, se eles contém mais veneno do que a maçã da “Branca de Neve”? Os próprios produtores muitas vezes não os ingerem (compram orgânicos), mas vendem para outras pessoas se contaminarem.

Quanto aos orgânicos, temos de ir além dos rótulos, uma vez que a maioria das certificadoras mais arrecada do que de fato certifica. Grandes propriedades em monocultivo pouco têm em comum com a produção orgânica. Há, por exemplo, café brasileiro sendo exportado para Inglaterra como de qualidade “número um”, “premium” e “orgânico” que, no entanto, adiciona quantidades massivas de agrotóxicos nas leiras de cultivo.




Aparentemente não houve mudanças em relação aos tabuleiros, no entanto, as agressões causadas nestas áreas até julho de 2008 serão anistiadas.

Toda supressão ilegal realizada até 22 de julho de 2008 será anistiada e boa parte considerada regular frente aos novos critérios (22/07/08 é a data do Decreto nº 6.514 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências).

Os topos de morro absorvem água da chuva e geram nascentes em seus afloramentos, que por sua vez geram córregos e riachos, que formam rios ainda maiores nos fundos de vale, os quais contribuem para os reservatórios que nos abastecem. Com a nova Lei as APP de topo de morro praticamente deixam de existir. Em analogia funcionaria como o favorecimento ao extermínio de organismos-base na cadeia alimentar.

No caso dos topos de morro como APP, a referência de base a ser considerada em relevos ondulados agora é a “sela”, ao invés do fundo de vale. A amplitude mínima deixa de ser 50 metros e passa a ser 100 metros. A declividade mínima deixa de ser aproximadamente 17° e passa a ser 25°.

Para quem nunca trabalhou delimitando APP em topos de morros é difícil imaginar o que na prática estas mudanças significam, então aqui seguem alguns exemplos: O município de Santo Antônio do Pinhal que antes, com uso de carta do IBGE de precisão 1:50.000, tinha mais de 50% de seu território definido como APP (topo de morro e trechos hídricos) perde praticamente todas as APP de topo de morro (deixam de existir). Em outro estudo de caso, a APP de 720 hectares para topo de morro passa a ser de 06 hectares (menos de 1% da área original). Em São Luís do Paraitinga, cerca de 250 hectares de APP de topo de morro desaparecem.

Apenas nas situações de morros em relevos não ondulados (geralmente os morros próximos ao litoral) é que a base não será a sela, porém, as restrições de tamanho e declividade também se aplicam. Em suma, antes a referência era o “pé” do morro, agora é o “ombro”, e um morro, para ser considerado como tal, ainda tem que ter o dobro do tamanho (amplitude) e ser 8° mais declivoso. Quem ganha muito com a quase extinção das APP de topo de morro é a silvicultura (produção de madeira).




Quando removemos a vegetação do entorno, algumas nascentes antes perenes passam a ser intermitentes (ocorrem somente nas épocas chuvosas), ou mesmo deixam de existir (secam completamente de forma definitiva).

A nova Lei ainda fala que só é considerada nascente quando esta dá origem a um curso de água perene, dessa forma desconsiderando todos os cursos intermitentes, que deixam de ter APP. Note que é consenso científico que nascentes perenes, uma vez desprovidas de vegetação natural, tendem a se tornar intermitentes ou mesmo secar. Obviamente o mesmo ocorre com os cursos hídricos formados pelas nascentes. Ao desconsiderar a APP de cursos intermitentes, estaremos os condenando à extinção e, consequentemente, à redução do aporte hídrico dos demais cursos perenes, que por sua vez, poderão se tornar intermitentes e no futuro secarem, caracterizando esta medida como uma ação nitidamente auxiliar na destruição e extinção progressiva de recursos.






No entorno de reservatórios artificiais as APP cumprem igual importância, não só necessárias como compensação ao impacto causado, mas também como habitat, conservação da biodiversidade, e para diminuição do assoreamento. No entanto, com a nova Lei elas praticamente deixam de existir. Mesmo alguns órgãos ligados à geração de energia já manifestaram serem contra a nova Lei, principalmente por conta do impacto na própria geração de eletricidade, visto que a redução ou ausência de APP compromete diretamente os mananciais (qualidade e quantidade de água). Desde a década de 90 existem reservatórios hidrelétricos tão assoreados que foram obrigados a interromper a geração de energia (da Enersul) e prestam hoje somente à retransmissão da energia oriunda de Itaipu.

De acordo com a nova Lei, a APP não se aplica quando não se tratar de barramento ou represamento de curso d’água, ou quando a superfície for inferior a um hectare, e ainda diz o seguinte:

Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum”.

Este trecho é muito preocupante, uma vez que atualmente se mede a APP a partir da cota máxima maximorum, e não até a mesma. A cota maximorum nada mais é do que a cota alcançada pela maior cheia em um período de 100 anos (tempo de retorno). Esta diminuição na faixa é uma perda, e pode se dar de forma drástica nos reservatórios ditos “encaixados”, onde há declividade mais acentuada próxima às margens. Em um estudo de caso, a APP de um reservatório caiu de aproximados oitenta hectares para cerca de sete hectares (menos de 9% da área originalmente protegida).




Reservas Legais possuem regime jurídico diferenciado das APP, no entanto, são também áreas de conservação, ecologicamente importantes. A nova Lei muda até mesmo conceitos elementares como APP e Reserva Legal, além de apresentar outras mudanças nitidamente mal intencionadas em simples termos, que por sua vez abrem mais brechas para serem considerados legalmente amparados os impactos ambientais que não podemos mais nos dar o luxo de suportar ou aceitar. Por exemplo, ao invés de “preservar fluxo gênico”, falam em “facilitar fluxo gênico”.

Reservas Legais serão áreas produtivas, podendo ter até 50% de exemplares exóticos, como Eucaliptos e Pinheiros, diminuindo a diversidade e riqueza de espécies, aumentando a pressão de uso sobre a área, e prejudicando as funções de conservação.

Os que defendem a alteração da Lei dizem que as porcentagens não mudaram (80% com possibilidade de redução para 50% na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nas demais regiões), porém, esquecem-se de dizer que as APP podem ser consideradas ou computadas na composição da área de Reserva Legal. Além disso, as “pequenas” propriedades não são obrigadas a realizarem a recuperação (chegam a 400 hectares). E pasmem: a compensação por determinados impactos contempla outras áreas fora da região impactada. Removeram-se as micro-bacias hidrográficas como referência, permitindo dessa forma que um impacto gerado no norte do país possa ser compensado no extremo sul, em biomas completamente diversos. Coisa que no Estado de São Paulo já ocorreu, quando vinte e duas bacias foram “transformadas” em apenas duas bacias - Bacias Hidrográficas do Paraná e do Atlântico Sudeste - para efeitos de aplicação da legislação de compensação - Decreto nº 53.939, de 06 de janeiro de 2009, já contendo aspectos em resposta à pressão dos setores ruralistas.

Claro, porque não, já que temos somente uma espécie vegetal e outra animal no país inteiro, e que todos os biomas são idênticos... Peço desculpas pela ironia, mas há momentos em que isso tudo parece ser uma piada de muito mau gosto.

Imaginem a título de fiscalização o que isto não representa, uma vez que a fiscalização da compensação dentro de um pequeno território - distrito de Subprefeitura, por exemplo - já ocorre de forma extremamente falha e deficitária.

Para este assunto colaboram ainda os seguintes trechos de documento técnico composto em fevereiro de 2009, de autoria do Biólogo Roberto Varjabedian e Eng. Agrônomo Eduardo Pereira Lustosa, que abordam, além das distorções na definição de bacias hidrográficas, a flexibilização da exigência de averbar Reserva Legal, a implantação de Sistemas Agroflorestais, e a presença de espécies exóticas:

Promove-se assim a criação de lacunas ou vazios, que tendem a ficar desprovidos de remanescentes de ecossistemas naturais, potencializando desequilíbrios ecológicos. Cabe alertar que extensas áreas poderão permanecer com baixíssimos níveis de biodiversidade e com alteração significativa dos processos da natureza, somando-se às áreas que já se encontram nesta condição atualmente. Ao mesmo tempo, estão sendo criadas demandas ainda maiores e complexas de controle e fiscalização ambiental, para um sistema de gestão público que opera com notável fragilidade estrutural e operacional”.

As inovações destacadas anteriormente se revelam como diretrizes altamente nocivas. Constituem ataque frontal à manutenção da biodiversidade e estão na contramão de todos os compromissos assumidos por vários países do mundo e pelo próprio Brasil em relação a este tema”.

Também configuram uma fragilização das metas estabelecidas na legislação ambiental, ferindo os princípios da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais; da preservação da biodiversidade e integridade do patrimônio genético, e da proteção da flora, bem como da manutenção de suas funções ecológicas, os quais são citados na Constituição Federal, art. 225, parágrafo 1º, números I, II, III e VII”.

Com a perda de rigor na exigência do devido estabelecimento de áreas protegidas, perdem-se também serviços ecossistêmicos de florestas nativas e de outros ambientes, especialmente no que se refere à necessidade de garantir um caráter homogêneo para a sua distribuição espacial no território, com a promoção de prejuízos à restauração de habitats em áreas degradadas, das interações ecológicas e de componentes bióticos da flora e da fauna silvestre”.

Assim, nos deparamos com a perspectiva de notáveis prejuízos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à qualidade ambiental e à qualidade de vida, contrariando os princípios do próprio Código Florestal, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81) e da Constituição Federal (art. 225)”.




O estado de conservação ambiental no conjunto do território é muito mais importante do que a presença de áreas isoladas para conservação, não desmerecendo a importância destas, pois na realidade elas também compõem o conjunto.

O raciocínio que leva à compensação longínqua como solução aceitável é perverso e extremamente falho. Além disso, ações de recuperação, por mais tecnificadas que sejam, nunca resultam em algo tão precioso quanto o ambiente natural formado ao longo de milhares de anos.

Este raciocínio foi ainda fomentado pela concepção dos créditos de carbono, que na prática servem para dar “selo verde” para ações que nunca poderiam receber alcunha ecológica. É confortável e conveniente acreditar que plantar mudinhas de árvores (que quando de fato são plantadas, geralmente o são de forma deficitária e nem mesmo recebem o acompanhamento devido - muitas vezes morrendo posteriormente) compensa queimar petróleo, inundar áreas naturais, impermeabilizar grandes áreas, construir arranha céus, consumir determinado produto ou serviço, etc. A conveniência é aprimorada quando se criam campanhas que induzem as pessoas a acreditarem que apertando um botão virtual em um site, ou comprando determinada marca de detergente, o consumidor está automaticamente plantando uma árvore. Na prática inventaram o alívio de consciência ambiental instantâneo, que ainda agrega valor no produto. Há até mesmo “ações verdes” na bolsa de valores.

Conheço um caso onde o impacto de uma empresa europeia procurou ser compensado com um reflorestamento no norte do Brasil. Para efetivação deste reflorestamento (para ficar bonito na foto do folder e no vídeo institucional), áreas de regeneração natural foram suprimidas e quantidades massivas de agrotóxicos desfolhantes (capina química) foram aplicadas via aérea (alta tecnologia). A deriva deste agrotóxico aos corpos d’água (tanto diretamente pela via aérea de aplicação quanto posteriormente através de lixiviação) provocou a morte de centenas de tartarugas que reproduziam em uma praia no leito sinuoso do rio. Bela compensação.

Já trabalhei pessoalmente com estas ações de recuperação e visitei outras mais (inclusive os primeiros reflorestamentos realizados pela CESP) e, infelizmente, o resultado geralmente é frustrante.

Plantios arbóreos homogêneos para extração de madeira estão muito longe de caracterizarem ambiente florestal e, mesmo os reflorestamentos mais antigos do Brasil, iniciados pela CESP em 1978, com plantio de espécies nativas em porções no entorno de reservatórios, atualmente não se parecem em nada com florestas, visto a ausência de diferentes estratos, inexistência de sub-bosque, epífitas, lianas, cipós, pteridófitas, e mesmo de exemplares da fauna normalmente encontrados em áreas naturais da região. O resultado é extremamente díspar da complexidade de um ambiente florestal natural e se trata na realidade de um ambiente simplificado, com muito menos interações e funções ecológicas. Isto ocorre principalmente pela insuficiência ou ausência de banco de sementes no solo, e falta de interligação com fragmentos florestais naturais que atuam como fontes dispersoras.

Não há regeneração mais efetiva do que aquela efetuada pela natureza, e onde sobraram condições para que a natureza se reestabeleça (banco de sementes no solo, e em fragmentos conservados). Basta que o ambiente seja protegido contra ações humanas que inibem ou impedem o processo, às vezes cabendo ações de incentivo à regeneração, como o enriquecimento florestal (adição de mudas mais velhas e em espaçamento maior), remoção de gado, cercamento, fiscalização, capina seletiva, dentre outros.

Como agravante em relação à eficiência de reflorestamentos e sua abrangência, quando há informações providas pelo Governo quanto à área de reflorestamento existente no Brasil, normalmente são computados os plantios de Eucaliptos e Pinheiros, que abrangem áreas muito mais extensas do que os reflorestamentos que de fato procuram restaurar um ambiente florestal. Percebe-se má fé mesmo quando lemos em palitos de sorvetes a inscrição “madeira oriunda de reflorestamento”, visto que esta madeira na realidade é oriunda de um plantio comercial de Eucaliptos e/ou Pinheiros, plantados em área que provavelmente já abrigou uma floresta. Pela legislação ambiental, árvores nativas normalmente não poderiam ser exploradas para confecção de palitos de sorvete.






Outro “truque” está no fato de equivocadamente associarem propriedades rurais de até 04 (quatro) módulos fiscais com “imóveis rurais da agricultura familiar”, “terras indígenas” e “povos e comunidades tradicionais”, quando dizem: “Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008”. Note que:

1 - Há uma diferença significativa entre a medida convencional de pequena propriedade rural familiar (normalmente até 30 hectares) e as dimensões dos quatro módulos fiscais, que chegam a representar 400 hectares na Amazônia e 160 hectares no Estado de São Paulo, que com a nova Lei, ficam desobrigadas da recuperação de reservas legais. Mas o problema maior não está com o tamanho em si, pois pode realmente uma grande propriedade ser familiar. O problema está principalmente em considerar como critério de classificação principal apenas o tamanho, sendo que há muitos outros fatores que caracterizam a denominada “agricultura familiar”.

2 – Diversas “pequenas” áreas formam grandes extensões. Já é técnica comum dos empreendedores subdividir propriedades para chegar a tamanhos onde a Lei não se aplica ou é aplicada de forma diferenciada, procurando se desviar das necessidades legais ambientais. Atualmente não há mecanismos inibitórios eficientes desta prática. A tal pequena propriedade pode até mesmo ser “pessoa jurídica”. Vários pequenos impactos quando somados se revelam enormes. Além disso, qualquer tamanho de agricultura necessita de apoio técnico científico e deve zelar pela preservação de recursos. Nem sempre o tamanho da propriedade está ligado ao tamanho do impacto gerado na mesma. Uma produção de gado confinado pode ser instalada em poucos hectares e ainda assim consumir muita energia e gerar milhares de toneladas de resíduos, por exemplo.

Então os pequenos produtores não são mais tão “pequenos”, e dessa forma todo o discurso de proteção à agricultura familiar e aos pequenos cai bem aos “mascarados” médios e grandes impactadores (como se não bastasse o fato de que muitos pequenos juntos formam um grande problema quando não são respeitadas as variáveis ambientais).




A perda de APP é variável para cada região, porém, é extremamente significativa em todos os casos. Em estudos de casos particulares, com amostras em determinados quadrantes, a perda de áreas para preservação permanente variou entre 40 e 80%. Ainda de acordo com estudo da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o percentual de perda de áreas protegidas poderá chegar a 60% em comparação ao Código Florestal vigente.




A nova Lei ainda está totalmente na contramão do compromisso assumido pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Um estudo do IPEA revelou que se as pequenas propriedades (não tão pequenas assim) ficarem dispensadas da recuperação da área de reserva legal desmatada irregularmente (onde a APP pode ser computada como reserva legal) o país perderá 29,5 milhões de hectares potenciais de florestas e, no melhor dos casos, 11,6 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (TCO2 eq) deixariam de ser absorvidos nos biomas do país.

Mas liberar uma parte das propriedades do cumprimento da Lei poderia incentivar outros produtores e, potencialmente, elevar o desmatamento, somando uma área total de 47,9 milhões de hectares sem cobertura florestal. Nesse cenário, a liberação de carbono contido nas reservas legais poderia chegar a 18 bilhões de TCO2 eq.

O estudo do IPEA considerou só reservas legais, mas o Observatório do Clima, que reúne ONGs ligadas ao aquecimento global, fez estudo somando à supressão da reserva legal impactos de possível redução das matas ciliares de 30 metros para 15 m nos cursos da água com até 5 m de largura. O exercício deixa o Brasil ainda mais distante dos objetivos de mitigação das emissões. Pelo levantamento, as emissões podem alcançar 25 bilhões de TCO2 eq (13 vezes o total emitido pelo país em 2007).

O IPEA estimou com base em um preço conservador do carbono - US$ 5 no mercado de ações voluntárias - que a preservação das reservas legais poderia gerar de US$ 92 bilhões a US$ 141 bilhões aos proprietários brasileiros.




Fernando Gabeira diz em seu Blog: “O único consolo é que na vigência de Leis mais severas, o meio ambiente era destruído de qualquer jeito. Na vigência de multas pesadas, poucos centavos eram recolhidos aos cofres do governo. Para o bem ou para o mal, as Leis não são ainda o fator determinante”.

Como é cada vez mais comum, nosso país, com esta Lei, resolve acabar com o crime o tornando legal. E não estou me referindo somente à anistia, mas principalmente aos novos critérios, que acabam com a maioria dos passivos ambientais em qualquer propriedade do país. Além disso, é mais um reforço na equivocada política “poluidor-pagador”, que já pode ser considerada também “cortador-pagador” há muito tempo, visto, por exemplo, como na prática ocorrem os Termos de Compensações Ambientais. A tendência de se colocar unidades monetárias na natureza só contribui negativamente, pois aumenta o poder de quem tem dinheiro justificar o que bem entender.

Se não em sua redação, com certeza na maioria das interpretações e aplicações práticas, muitas Leis são inconstitucionais.

Todas as críticas, muito bem amparadas tecnicamente, às mudanças que fragilizaram a legislação ambiental ao longo dos anos, não refletiram em revisões. Foram ignoradas.




O termo “insegurança jurídica” tem sido vinculado por alguns veículos da imprensa, como na reportagem da revista “Isto É”.

A insegurança jurídica não será inaugurada, ou exclusiva ao caso em questão. Já está instaurada e infelizmente faz parte do “modus operandi” nacional. Há legisladores fabricando Leis ao bel prazer a muito tempo, com “recortes e colagens” desprovidas de assistência técnica adequada, muitas vezes com uma redação que abre brechas para interesses ocultos, ou que serve para arrecadação e/ou propaganda eleitoral. Muitas Leis são contraditórias ou entram em conflito com as já existentes sem, no entanto, as substituir. Há Leis tão estapafúrdias, beirando o ridículo, que se tornam parte de “notícias cômicas”. Coisas similares a algo como “Prefeito cria Lei que proíbe chover aos sábados e domingos”.

Uma Lei que já não vem sendo respeitada se conserta legalizando os desrespeitos? Talvez não, mas pelo menos assim todas as irregularidades passam a ser regulares, os impactadores aliviam a consciência, e perdem o medo de serem “importunados” com processos judiciais, “ecochatos” e seja lá o que eles temem (o ambiente “bicho papão”), quando o prudente seria temerem os reflexos de tamanha pressão negativa e imprudente sobre o meio. Veja, não estamos falando de algo como a “Lei seca”, e sim de uma Lei que auxiliará na perpetuação da seca. Do filme “Os Intocáveis”: “Repórter: Inspetor Ness... agora que a lei seca foi revogada e não é mais proibido beber bebidas alcoólicas o que o senhor vai fazer? Se aposentar? Inspetor Ness: Primeiro vou tomar um drink”.  

A baixa efetividade da Lei atual ocorre principalmente por conta da falta de fiscalização e de órgãos bem estruturados, com profissionais e chefias desvinculadas de interesses escusos (hoje escusos somente para os “cegos, surdos e loucos”).

Não se resolve a baixa efetividade da aplicação de uma Lei tornando os resultados dessa baixa efetividade legais. E se desejam abrandar a Lei com a desculpa de que a atual é inexequível, utópica, ou seja lá qual outro adjetivo falacioso inventem... Onde está a estrutura bem formada e forte que atuará para que esta nova Lei seja cumprida efetivamente a partir de sua promulgação? Bem, mesmo que houvesse tal estrutura, a aplicação da nova Lei traz mais danos do que benefícios e, considerando-se a inexistência de tal estrutura eficaz, funciona na prática como “carta branca” para mais absurdos irresponsáveis, para um ambiente cada vez menos resiliente e seguro.

Aproxima-se da loucura o fato de profissionais defenderem tal reforma, principalmente quando consideramos o quadro atual de danos ambientais já cometidos, em tão curto lapso temporal.  Deveríamos estar defendendo maiores restrições (note que as faixas de APP do Código Florestal são mínimas, e estão longe de serem cumpridas ou efetuadas) e a aplicação de fato da Lei, com órgãos mais estruturados (profissionais competentes e equipamentos). No entanto, estamos rumando na direção contrária, e motivados pelo interesse de poucas Corporações (bela Democracia esta onde o interesse de empresas é que rege Leis e as aprova, ainda por cima revestidas de causa social).

Fica evidente que a maioria de nossos políticos está pouco atenta à legislação existente quando o próprio Deputado Federal Aldo Rebelo, um dos principais relatores da Lei que altera o Código Florestal, demonstra desconhecimento sobre a abrangência do Código Florestal não só nas áreas rurais, mas também nas urbanas.




Historicamente as áreas urbanas têm sido foco de inúmeros desrespeitos ao Código Florestal, desrespeitos estes considerados gritantes, principalmente por conta de sua visibilidade, da organização administrativa existente nas metrópoles, e da significância que as áreas verdes assumem em locais poluídos e contaminados, como é infelizmente o caso de nossas cidades.

Os municípios, através de brechas na legislação maior, vêm criando “Leis de Uso do Solo” e “Planos Diretores” que em tese deveriam ser mais restritivos que a legislação Federal ou Estadual, mas que, no entanto, tem servido como ferramenta para justificar grandes impactos, consolidados ou não, ou ainda, que estão por vir (“projetos progressistas”).

Por conta destas Leis que funcionam como “ferramentas do progresso a qualquer custo”, interesses particulares têm predominado sobre os interesses coletivos ou comuns, inclusive, das futuras gerações. Frequentemente Prefeitos criam perímetros urbanos à revelia de qualquer critério técnico ou legal, de forma que a legislação municipal aparentemente é feita em prol de um particular, não se aplicando conceitos ou argumentações técnicas básicas para urbanização em isonomia na região, principalmente ao considerarmos a frequente criação de polos urbanos não conectados à malha urbana principal, em locais com único proprietário, ou com poucos. A criação de um perímetro urbano deveria ser embasada na presença de serviços urbanos (como rede de energia, esgoto e água) conforme Resolução CONAMA 369/2006 Art. 9, onde devem ser considerados apenas os serviços municipais (implantação e manutenção) para fins de caracterização, uma vez que qualquer loteamento pode criar sua própria estrutura e desta forma, qualquer fazenda poderia se tornar urbana. Vale lembrar que Leis municipais não poderiam alterar a legislação ambiental para criar concessões, mas apenas para restringi-la.

Atualmente, o loteamento em áreas naturais tem sido uma das principais forças motrizes para o desmatamento das formações florestais remanescentes no Estado de São Paulo, de forma que os fragmentos em meio a estes loteamentos deveriam ser no mínimo “abraçados” pelos interessados residentes, visando sua proteção, conservação e incremento das funções ecossistêmicas. A fauna, com habitat cada vez mais escasso, se concentra nestes remanescentes e acaba interagindo com o meio urbano. Há até mesmo uma animação norte-americana lançada em 2005, denominada “Os Sem-Floresta”, que trata o assunto (infelizmente também em voga nos Estados Unidos) de maneira bem humorada e didática.

A nova Lei diz ainda que novos empreendimentos terão faixa de APP definida pelo licenciamento (entre 15 e 100 metros nas áreas rurais e de 15 metros nas áreas urbanas). Quem já trabalhou com, ou em órgãos licenciadores (de todas as esferas), sabe da precariedade estrutural, da desorganização, e das fortes influências políticas que passam por cima de qualquer aspecto técnico, fatores estes que chegam a frustrar os bons profissionais de forma significativa, levando-os a procurarem alternativas profissionais, muitas vezes com o próprio empreendedor, onde entendem poder influir mais positivamente nas decisões do que através do órgão ambiental. No entanto, minha experiência pessoal não revelou tal possibilidade, sendo difícil chegar à conclusão de onde é mais frustrante trabalhar, no setor ambiental privado, em órgãos governamentais, em consultorias, ou em ONGs.

Além disso, a nova Lei aumenta o poder do município quanto à definição da largura de faixa de APP e mesmo quanto às autorizações para supressões. Em Santa Catarina uma Lei municipal já se antecipou à tendência e definiu APP de 5 metros.

Este tipo de transferência de poder, que já vem ocorrendo na legislação há algum tempo, demonstra uma inversão na hierarquia, de forma que na prática, o poder Municipal (o mais desorganizado, incompetente e desonesto) ocupa o topo da pirâmide, o Estadual fica no meio e o Federal lá embaixo, mantendo o “teatrinho”. O próprio IBAMA Federal vem se distanciando de questões ambientais específicas, muitas vezes atuando somente quando requisitado por outros órgãos, e não de maneira pró-ativa.

Os nobres relatores não se atentam para o fato de que mesmo em áreas urbanas há APP com funções extremamente significativas à manutenção da biodiversidade, se não diretamente, também como verdadeiros oásis no meio do deserto, entre áreas ainda preservadas (as sobreviventes). Além disso, é nas cidades que os poluentes se concentram e onde qualquer vegetação ganha relevância redobrada, onde a necessidade de áreas naturais é urgente, um verdadeiro caso de saúde pública.

Quanto à legislação que influencia o ambiente municipal em São Paulo, cito três Leis que foram criadas recentemente, desprovidas de assistência técnica apropriada, mal redigidas, e que possuem interesses ocultos negativos ao ambiente, a serem permitidos ou propiciados pela redação das mesmas: Lei nº 15.442, de 9 de setembro de 2011 do Vereador Domingos Dissei, Portaria nº 1233, de 28 de dezembro de 2010, referente à Lei 10.365/87, do Prefeito Gilberto Kassab, e a Lei 15.470, de 27 de outubro de 2011, dos Vereadores Celso Jatene (PTB) e Dalton Silvano (PV).

A primeira, na prática, induz os munícipes e profissionais correlatos a favorecerem o corte de vegetação arbórea quando esta causa algum dano ao calçamento, mesmo quando a árvore não oferece risco de queda além do normal, e existe solução técnica para mitigação da situação em harmonização do passeio público com a árvore, principalmente através da aplicação de tecnologias arquitetônicas e de engenharia, respeitando-se as orientações dos manuais de arborização urbana. A Lei diz que o responsável ficará dispensado do cumprimento da obrigação de reparo do calçamento até que o corte ou a supressão seja providenciado pela Administração Municipal, nos termos da legislação vigente, e que, a partir do corte ou supressão da espécie arbórea, o responsável terá o prazo de 30 (trinta) dias para providenciar a regularização do passeio público.

A segunda interpreta e utiliza equivocadamente a Portaria 154/09-SVMA, que trata das espécies invasoras. Considerar uma espécie localizada em uma caixa arbórea como invasora é apenas um subterfúgio para se justificar uma remoção que é guiada por outros propósitos. Pessoalmente acredito que uma árvore plantada (por um ser humano), na forma de muda, em espaço restrito, que no caso em questão não se reproduz de forma descontrolada, por propagação espontânea ou prejudicial, não poderia ser considerada invasora. Há uma diferença entre espécies exóticas, invasoras e “espécies invadindo”. Um Ficus elastica (Figueira ou Falsa Seringueira), por exemplo, normalmente não se reproduz naturalmente no Brasil. Como então considerá-lo invasora? O termo “vegetação invasora” normalmente está vinculado aos ambientes rurais, fragmentos florestais ou grandes extensões naturais. Em ambiente urbanizado, remover uma espécie dita invasora, é usar de um artifício legal mal interpretado como amparo para uma remoção normalmente motivada por outras causas (válidas ou não). Uma das poucas espécies que acredito poder apresentar situação preocupante, mesmo em áreas de praça urbana, canteiro central ou beira de córrego, é a Leucena (Leucaena leucocephala), pela sua incrível capacidade reprodutiva e perenização na área, impedindo o desenvolvimento de demais espécies. No entanto, se uma muda de Leucena é plantada já bem formada em uma caixa arbórea, no passeio viário, e não se apresenta próxima de áreas naturais, apesar de não recomendar o plantio da espécie, não a enquadraria como invasora. Se ela disseminasse suas sementes para uma praça, o controle de suas mudas faria parte da capina de manutenção.

A terceira Lei se trata de uma resposta pífia para o problema relacionado à demora no trâmite de serviços relacionados às Áreas Verdes das Subprefeituras, permitindo à Prefeitura a terceirização das vistorias arbóreas e emissão de laudos técnicos. No entanto, o maior gargalo para boa execução dos serviços não está no número de vistorias e laudos, visto que há inúmeros laudos publicados armazenados em arquivos, na fila para execução, não raro perdendo a validade (legal e prática, visto que a situação atual pode diferir em muito do laudo de anos atrás). O gargalo principal está na falta de equipes treinadas e capazes de boa técnica, além de sua configuração e falta de valorização, que ocorre nas Áreas Verdes como um todo. Ou seja, com esta Lei estenderão ainda mais os serviços à terceirização, sem reforços na fiscalização, abrindo mais portas para imperícias técnicas e legais. E dessa forma, podem manter um preço baixo para realização dos serviços dos Engenheiros Agrônomos, Florestais, e Biólogos, já que o serviço fica aberto a todo mercado e aceita o valor quem estiver disposto a tal.




Como a legislação ambiental se reflete diretamente no espaço, contendo limites e metragens, com a nova Lei se perde muito destes limites e metragens amparados. Acredite: muito mesmo. Alguns estudos de caso abordados demonstram a proporção de perda dos ecossistemas, para os quais é sempre bom lembrar, já foram forçados à exaustão e atualmente se limitam à condição de “sobreviventes”, praticamente ameaçados de extinção em um curto lapso temporal.

O novo texto implica em grandes perdas, reproduzindo todas aquelas do projeto do Deputado Federal Aldo Rebelo e, se não bastasse, adicionado de agravantes. Comparar o texto do Senado com o da Câmara é um exercício equivocado e faz parte da campanha muito bem arquitetada para desviar a atenção ou confundir. Comparar estes textos é o mesmo que comparar o “péssimo” com o “péssimo plus”, de maneira praticamente análoga ao que acontece quando comparamos os candidatos elencados para as eleições. Só que desta vez a população não poderá nem mesmo protestar anulando o voto (por mais ineficaz que a legislação eleitoral tenha tornado esta prática).

Em relação à “derrota” do governo em relação ao texto preferido, o Deputado Federal Fernando Gabeira diz em seu blog: “O governo dá a entender que foi derrotado e que não queria esse desfecho. O governo também dá a entender que é contra a corrupção e está realizando uma faxina. Tudo isso é calculado para manter altos os níveis de popularidade de Dilma”. Confira na íntegra em:


A imprensa chegou a vincular até mesmo charges de Dilma tombando derrotada, como se fosse uma árvore sendo derrubada. Esta era exatamente a imagem que desejavam transmitir, mas que se distancia da verdade nos bastidores, onde Dilma nunca foi derrotada. A idéia de que o Governo perdeu e de que o veto de Dilma tem poder de mudar alguma coisa faz parte de um teatrinho muito bem planejado e ensaiado.

A anistia é tão absurda que talvez tenha sido colocada propositadamente para polarizar a questão sobre este tema, distraindo a opinião pública dos demais (e ainda mais gritantes problemas que o texto possui). Aprovarem neste momento o texto que na prática provê as piores condições possíveis ao ambiente talvez seja só uma manobra para que a Presidenta vete uma ou outra questão, e assim mesmo aprove um ainda péssimo Código "Florestal", ou que vete inteiramente e, mais tarde, o texto retorne para nova apreciação, onde poderá ser aprovado pelo Senado e Câmara, transformando o veto da Presidenta em uma mera opinião que, ainda por cima, provê louros à sua imagem, agradando gregos e troianos, mas não os ambientalistas antenados de verdade.

Provavelmente a anistia será vetada por Dilma, o que poderá equivocadamente ser entendido como um meio termo e alegrar alguns, no entanto, o novo Código continuará como a atrocidade que coroa o estratagema de enfraquecimento do licenciamento ambiental, o qual vem sendo colocado em prática há décadas (partição de órgãos, diminuição de verbas, líderes vendidos politicamente, permissividade para grandes impactos em Unidades de Conservação e Reservas Indígenas, órgãos com estruturas tão diminutas que existem somente para constar, política do “poluidor pagador” e do “cortador pagador”, “monetarização da natureza”, e assim por diante...).




Sobre como funciona o veto presidencial há particularidades pouco conhecidas pela população. Se deixássemos todas as decisões ao crivo final de uma única pessoa (o Presidente) estaríamos simulando um regime monárquico, ditatorial e autoritário (e na verdade estamos, já que o correto seria a população participar sempre através de Referendos e que a decisão da maioria prevalecesse).

Depois que determinada Lei é vetada pelo Presidente da nação, as normas exigem que o Presidente do Congresso e do Senado Federal, no caso o Sr. José Sarney (de 1995 a 1997, 2003 a 2005, de 2009 a 2011 e de 2011 até a atualidade), promova uma apreciação sobre o veto aos membros da Casa, que após reuniões (sessão conjunta e apreciação dos vetos) podem votar novamente a questão e, caso tenham maioria dos votos (50% + 1), na prática “o veto presidencial é vetado”. No entanto, José Sarney vem adiando e congelando muitos dos vetos presidenciais, não os expondo à apreciação, ou seja, mantendo o Presidente com maior poder de decisão, para o bem e para o mal (este último na maioria dos casos).

Um dos grandes temores dos ruralistas é o de que Sarney “congele” também o veto presidencial sobre a Lei que altera o Código Florestal. No entanto, a meu ver é um temor infundado ou encenado, já que normalmente as decisões visando o “progresso inconsequente” são sempre favorecidas, e que o esquema explicado se presta perfeitamente a ambos os lados. Veja como: Dilma veta a Lei (parcial ou totalmente, não importa) antes do evento “Rio + 20” e ganha popularidade com os milhões de brasileiros que gritaram, escreveram, imprimiram e exibiram “VETA DILMA” ou mais apropriadamente “VETA TUDO DILMA”, então, depois de algum tempo, após o “Rio + 20”, o assunto é colocado à apreciação do Senado e Câmara, que por sua vez vota em maioria a favor da Lei (perceba que na primeira votação eles tiveram quase 60% de aprovação), anulando o veto de Dilma, que passa a ser considerado somente uma opinião da Presidenta, por sua vez favorável à sua imagem frente à opinião pública.

Quando o veto da Presidenta volta, ele pode ser derrubado por “maioria absoluta”. Na votação que aprovou o texto havia 458 deputados presentes em plenário. Ou seja, 55 deputados (são 513, no total), faltaram ao trabalho. A maioria simples é calculada em cima dos que apareceram para trabalhar: 230. Já a maioria absoluta é calculada em cima do total de votos possíveis se todos os deputados tivessem comparecido: 257. Outra diferença é que o Congresso - e não suas duas casas (Câmara e Senado) - analisará o veto. Isso significa que as duas casas agem em conjunto e não de forma independentes. Cada cabeça um voto. E a votação é secreta. Mais informações em:


Apesar da mudança de “maioria simples” para “maioria absoluta”, na realidade, derrubar o veto não é tão difícil quanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, afirmou, ao considerar o resultado da votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados. Para derrubar um possível veto da Presidenta, é preciso maioria absoluta tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, ou seja, o aval de 257 deputados e 41 senadores. O texto do relator Paulo Piau (PMDB-MG) foi aprovado por 274 votos a 184 na Câmara dos Deputados. Considerando os Senadores (81), a maioria absoluta de 594 são 298 votos. Esse é o número necessário para derrubar o veto. No caso da Lei que altera o Código Florestal, ela foi aprovada por 274 votos na Câmara e 59 no Senado, o que resulta em um total de 333 votos. Ou seja, o texto já “ganhou” com os Deputados e com os Senadores. Se quem votou a favor na aprovação original aparecer para votar pela derrubada do veto (e continuar votando da mesma forma), os eventuais vetos da Presidente poderão ser facilmente derrubados.

O Congresso decidir novamente pela aprovação do texto não afeta em nada a imagem já totalmente destituída de caráter e seriedade que a Casa exibe frente à opinião pública e, ainda por cima, tal decisão será defendida como democrática, da maioria parlamentar. E aí está outro truque: Onde está a maioria da população sendo representada em uma Democracia verdadeira?

Normalmente se alega que deixar apenas o Presidente decidir seja autoritário. Concordo. E deixar somente o Senado e a Câmara decidir, o que é? O mesmo autoritarismo, mas dividido em quase 600 cabeças (com o agravante de estarem influenciadas diretamente por dinheiro e poder de algumas Corporações) quando na realidade, temos quase 200 milhões de pessoas nesta nação. Provavelmente argumentarão que o povo votou neles e que isso é Democracia. Bem, mas o povo também votou na Dilma. Um Referendo seria o mais apropriado. Autoritarismo mesmo é alterar uma Lei sob forte influência dos interesses de grandes empresas e latifundiários.

O acesso da população ao texto final aprovado que foi enviado para Presidenta ocorreu de forma tardia, até porque o texto final recebeu alterações nas últimas horas de sua aprovação. Não só não temos tendência à realização de um Referendo, como nenhum cidadão pôde acessar o que de fato estava sendo aprovado. O que sabíamos sobre o texto final se embasava no acompanhamento quase que investigativo realizado por profissionais que puderam comparecer às reuniões relativas ao assunto e mesmo à votação em Brasília.

Há um site (blog do Eng. Agrônomo Ciro Siqueira) que, apesar de explicar bem sua posição oficial, na prática defende ardorosamente as mudanças no Código Florestal, chama os contrários ao texto de “ecotalibãs”, pinta Marina Silva como o “Tio Sam”, simplifica a posição contrária como “imperialista norte-americana e europeia”, promove a união dos “atingidos pelo meio ambiente”, e ensina a como “vetar o veto”:


O blog diz: “Esse é um passo fundamental. Se o Presidente do Congresso não convocar a sessão de conhecimento dos vetos, o prazo de 30 dias jamais iniciará e os vetos podem não ser apreciados nunca. Há mais de 900 vetos do Executivo aguardando deliberação do Congresso porque a tal sessão de conhecimento jamais foi convocada”.

Se conseguirmos que o Presidente do Congresso convoque a tal sessão de conhecimento, o(s) veto(s) será(ão) apreciado(s) em sessão conjunta no prazo máximo de 30 dias. Sessão conjunta significa que Deputados e Senadores estarão reunidos em Plenário, mas os votos serão separados, primeiro Câmara, depois Senado. Para derrubar o veto, será necessário que a maioria absoluta, metade mais um, de cada Casa (257 Deputados e 41 Senadores) votem pela rejeição. O voto será SECRETO. Mantido ou derrubado o veto, o projeto volta para a Presidência da República para promulgação”.

Em todas as votações pelas quais passou nos plenários da Câmara e do Senado o texto de reforma do Código Florestal teve mais de 257 votos na Câmara e mais de 41 votos no Senado. Ou seja, temos votos para derrubar qualquer veto da Presidente Dilma. A grande questão é se teremos força para "convencer" o Presidente do Congresso Nacional a convocar a sessão conjunta para conhecimento dos eventuais vetos”.

Quanto ao emprego da denominação “ecotalibãs” pelo blog: sei muito bem que existem extremistas na defesa de quaisquer causas, ideologias, visões, etc., mas dizer que as pessoas que são contra as mudanças apresentadas para o Código Florestal são extremistas é que é extremo ou radical. É muito fácil se defender colocando as pessoas que são contra dentro de um único "balaio estereotipado". Pedir para o Presidente o veto de determinada questão é extremo? Argumentar tecnicamente sobre cada ponto apresentado pela Lei que altera o Código Florestal e concluir o "óbvio ululante" de que ele é danoso ao ambiente é extremo? Conectar os pontos e perceber que a Lei foi financiada direta e indiretamente por grandes empresas do denominado "Agribusiness" é extremo?

Bem, extrema é a vergonha que sinto de pessoas de certo intelecto o utilizarem para defender interesses pessoais e egoístas relacionados a seu ramo de atuação e, ainda por cima, usarem de termos pejorativos e adjetivos que simplificam e polarizam a questão, como "máfia verde", "ecotalibãs", "imperialistas norte americanos", dentre outros. Uma coisa é errar por ignorância, outra é conhecer e usar do conhecimento para favorecer uma questão danosa ao ambiente e sociedade simplesmente porque ela é de interesse pessoal (lucro, prestígio, poder).




No fim das contas, e de forma simplificada, a origem disso talvez seja uma profunda "inveja" do PIB da China, bem como a idéia de que os países de primeiro mundo tiveram a vez deles e agora é a nossa. Os defensores do progresso irresponsável acreditam de forma simplista que os outros países usam da proteção ambiental para colocar amarras em nosso desenvolvimento. Como se o próprio Governo, com sua tributação abusiva, seus serviços de péssima qualidade, sua corrupção que desvia enormes quantias de dinheiro público para poucos bolsos, a importação de todos os melhores produtos do país para fora por preços muito inferiores ao que pagamos em equivalentes de muito pior qualidade, dentre outros inúmeros fatores, não fosse amarra suficiente e mais significativa do que a proteção do ambiente como breque ao desenvolvimento.

E é claro, há o conceito de propriedade, onde muitos entendem que “Na MINHA propriedade faço o que quiser”. Trata-se da prepotência humana tão bem caracterizada na narração de Carl Sagan em vídeo baseado em sua obra literária “O Pálido Ponto Azul”: “Pense nos rios de sangue derramados por todos estes generais e imperadores para que, em glória e triunfo, eles pudessem ser os chefes momentâneos de uma fração de um ponto”. Segue o link para este belíssimo vídeo com cerca de seis minutos:


Até hoje não observei um único caso onde alguém foi “impactado pelo meio ambiente” e este alguém não estivesse extremamente equivocado, não só em relação à importância da variável ambiental, mas também em relação a como gerenciar uma produção, negócio ou empresa, do ponto de vista da eficiência, logística, e outros fatores importantes na variável econômica.

Do mesmo modo que, durante meu trabalho na Subprefeitura Ipiranga, tantas vezes ouvi de munícipes que as causas de todas as mazelas e infortúnios da vida se deviam à árvore na calçada, os produtores rurais tendem a culpar o fragmento florestal. No Tocantins conheci proprietários que ainda hoje contratam caçadores para acabar com as onças que devoram o gado... O “meio ambiente” é um bom vilão para os ruralistas colocarem a culpa de suas falhas. O “bicho papão” do século.

A justificativa de que a preservação de porções do ambiente natural atrapalha a Agricultura se trata de um grande contra senso científico. Os empreendedores trabalham e divulgam a imagem de um país tomado por reservas indígenas, unidades de conservação, parques, que atrapalham o progresso. Bem, quem dera existisse de fato esta imagem... Dizer que não há área disponível para o plantio é outro absurdo. Engraçado como a Agricultura gosta de levantar a bandeira do avanço tecnológico e, ao assumir que não há terras produtivas, assume sua incapacidade em trabalhar vastidões de terras depauperadas (pela própria agricultura). Mas é claro, ainda há terra boa na nação, que poderia ser trabalhada dentro de um modelo de agricultura realmente pequeno, familiar, menos impactante, de preferência sob os moldes da agricultura orgânica, que valorize diretamente o produtor, porém, não é de interesse de supermercados e intermediadores, grandes empresas que arrendam terras, que criam vínculos para produção consorciada com o produtor (que só sugam quem mais trabalhou, não dividindo os lucros de forma justa), enfim, para os que mais “engordam sem trabalhar”.

Apesar de o Governo falar em nome dos “pequenos” e “familiares”, na realidade está falando em nome de algumas Corporações relacionadas ao negócio rural e ao empreendedorismo que abusa dos recursos naturais, bem como dos grandes proprietários que foram convenientemente encolhidos, não só pela adoção dos quatro módulos fiscais, mas também pela ausência de mecanismos que os impeçam de subdividir as terras em lotes ou propriedades menores, e assim não se sujeitarem a restrições ambientais que caberiam legalmente ao caso.

As influências das Corporações no modo de governar são ilustradas no brilhante documentário “The Corporation” de Mark Achbar, cujas relações exibidas entre Corporações e o Governo infelizmente não se limitam aos Estados Unidos, pois na realidade são tão “multinacionais” quanto as próprias empresas. Da mesma forma que empresas “patrocinaram” esta Lei que altera o Código Florestal, também o lobby do mercado imobiliário patrocinou Leis relacionadas ao urbanismo, como a de Concessão Urbanística, em uso recente pelo Projeto “Nova Luz” em São Paulo. Minhas impressões sobre a Audiência Pública para o Projeto Nova Luz podem ser conferidas no link a seguir, mediante acesso ao Facebook:


No caso da Bancada Ruralista que alterou o Código, foram mais de 20 milhões de reais em doações (declaradas) às campanhas dos Deputados: Suzano Papel e Celulose, Cosan (açúcar e etanol), ArcelorMittal (líder em valor doado – R$ 1.595.000), Fibria (união da Aracruz e Votorantim Papel e Celulose - vice-líder de doação em valor financeiro), Usina Coruripe (açúcar e etanol), Bunge (“Bunge Fertilizantes” é a que mais vezes aparece nas declarações dos deputados da bancada), Usina Caeté, Usina Naviraí, CMPC Celulose, Klabin (papel), Caemi Mineração (Vale do Rio Doce), dentre outras. A transnacional Vale e a Samarco Mineração, ao contrário dos anos anteriores, não aparecem diretamente no balanço do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Outras empresas atuaram no passado, e muito possivelmente continuam atuando clandestinamente (por trás de outras empresas, ou apenas de maneira “informal”). As grandes empresas que representam o Agronegócio mundial, e que atuam fortemente no Brasil (além das citadas acima) são as maiores suspeitas: Bunge Alimentos, Cargill, Souza Cruz, JBS Brasil, BRF, Sadia, Unilever, ADM, Coopersucar, Nestlé, Basf, Louis Dreyfus, Case New Holland, Kraft Foods, Coamo, Marfrig, Bayer, Pepsico do Brasil, Heringer, DuPont, Syngenta, Duratex, Frigorífico Minerva, Seara, Amaggi, Aurora Alimentos, Sotreq, C. Vale, Caterpillar, LDC Bioenergia, Itambé, Garoto, Mosaic, Caramuru Alimentos, Granol, Ultrafertil, Noble Brasil, Yara, Cooxupé, International Paper, Parmalat e Monsanto (ligada diretamente a aprovação polêmica, vergonhosa e controversa dos transgênicos no país em 2005).

A Bunge Fertilizantes também se manifestou sobre as doações citadas. Em nota, a empresa defendeu que não há nenhuma ilegalidade no fato, pois “o sistema político brasileiro prevê o financiamento privado das campanhas”. Porém, a doadora também admite que escolhe políticos com mesma linha de pensamento da empresa, mas desmente que, nestas eleições, tenha financiado campanhas “em função de questões ou de projetos específicos”. Bem, tirem suas próprias conclusões.

Mas a bancada ruralista não se restringe a desarticular a proteção ao ambiente, também se esforça para impedir o efetivo combate ao trabalho escravo nas fazendas: “Uma tese de doutorado defendida na USP pelo cientista político Leonardo Sakamotto estabeleceria uma relação entre a morosidade na apreciação dos projetos antiescravagistas e as doações de campanha eleitoral. Segundo ele, empresas agropecuárias acusadas de utilizar trabalho escravo, seus donos e parentes fizeram doações nas eleições de 2002 e 2004 que ajudaram a eleger dois governadores, cinco deputados federais, três deputados estaduais, três prefeitos e um vereador. Ele apontou ainda três deputados federais, um estadual e três prefeitos entre proprietários ou parentes de donos de fazendas autuadas por suposto trabalho escravo”.

Empreendedores adoram exteriorizar os danos, e adoram a hipocrisia relacionada à exteriorização, que lhes rende embalagem atrativa, uma verdadeira “eco bag”. De que adianta, por exemplo, o Canadá proibir a utilização de amianto e ser o segundo maior produtor, e maior exportador deste material para outros países?

Há muitos que, com a prerrogativa do progresso, não só acreditam como se esforçam para que as Corporações decidam os rumos da nação. Que progresso é este? A que custo? Há grandes diferenças entre aumentar o “poder de endividamento da população” e aumentar o “poder de consumo”. Além disso, o consumo mais fomentado é o do tipo irresponsável, que exerce pressões em demasia sobre o meio e não reflete em valorização social. Alguém realmente acredita que Corporações possuem causas nobres além de almejar lucro a qualquer custo? Mesmo que este lucro signifique desmantelar uma empresa e mandar seus fiéis funcionários para “as cucuias”?

Muitas grandes empresas nem mesmo pagam impostos da forma que um “reles mortal” é obrigado a fazer. Muito bem assessorados por seus advogados, deixam a dívida acumular durante anos para depois negociá-la por valores inferiores a um terço do original, e sem juros.

Muitos acham que o Brasil está "decolando"... Pessoalmente acredito que estamos sendo "ejetados", e pior, sem "paraquedas".

Recomendo o documentário “Roger e Eu”, que mostra a falência da cidade inteira de Flint (Michigan – EUA), quando o dono da “General Motors” decide mudar a fábrica para o México, onde a mão de obra era mais barata e as exigências ambientais praticamente inexistentes (uma tendência na economia moderna, vide o fenômeno “made in China”). O filme “Nação Fast Food” aborda o mesmo problema, relacionado à indústria alimentícia de uma rede de fast food muito conhecida “McMundialmente”. O documentário “Wal-Mart – O Alto Custo do Preço Baixo” mostra o custo não computado na exteriorização de problemas. O filme “Wall Street - Poder e Cobiça” de 1987 mostra como empresas podem funcionar como verdadeiras fichas de Poker em um grande jogo de “figurões”, onde o prazer está mais em jogar do que em ganhar, já que dinheiro não falta pra estes jogadores, e eles se divertem pagando o “minimum bet” para este Poker de altas consequências para humanidade.




Anteriormente escrevi que o Governo não se utiliza do conhecimento acadêmico. Bem, essa é uma meia verdade, pois o verdadeiro “Governo Corporativo” não o ignora, pelo contrário, se apropria indevidamente dele em prol de seus interesses de mercado.

A maior parte das Universidades se tornaram (com exceção de alguns setores e professores ainda na resistência) extensões do quintal de Corporações, que usam do meio acadêmico para testar e aprovar seus produtos. Os professores orientadores das pesquisas e os alunos estagiários (graduandos, mestrandos e doutorandos) ganham mais trabalhos para publicação no Currículo Lattes, além de bolsas em valor financeiro. Em troca das “esmolas” providas pela Corporação, o patrimônio público (também o imaterial) é utilizado para pesquisas que, não só têm seu resultado influenciado pelos interesses das empresas, como geralmente geram um “selo” da Universidade, direta ou indiretamente certificando determinado produto. Para os setores de pesquisa das Universidades não convém contrariar os interesses mercadológicos das pesquisas, uma vez que muita contrariedade pode significar o cancelamento da verba.

Além disso, os professores pesquisadores muitas vezes atuam em consultorias privadas (muito lucrativas) para estas Corporações, defendendo o ponto de vista desejado no momento, com trabalhos científicos e conclusões distorcidas. Presenciei reuniões onde o objetivo era reescrever trechos de forma a reforçar a intenção do empreendedor, e depois, coletar a assinatura do renomado professor, um verdadeiro “pop star” ou sumidade científica, às vezes com livros acadêmicos publicados, gerando pareceres que dificilmente seriam contrariados pelo órgão licenciador.

As Universidades ainda vêm participando de licitações para determinados serviços, como “levantamento florístico”, “levantamento da ictiofauna”, etc., tanto na confecção de EIA / RIMA, quando na execução dos Programas Ambientais, onde há concorrência desleal, visto que a mão de obra geralmente é composta por estagiários que enxergam no serviço uma oportunidade de aprendizado. Para o empreendedor é “duas vezes bom”: ganham a notoriedade da universidade (logotipo impresso nos relatórios), e pelo melhor preço do mercado (que empresa com funcionários na carteira consegue concorrer com estagiários sem registro?).

O conhecimento científico, quando não “mofa” nas prateleiras das bibliotecas, geralmente se torna uma “patente” (obtida de forma bem barata) para uma empresa lucrar, muitas vezes não se revertendo em melhoria social, e sim reforçando o monopólio, as opressões e a desigualdade social. Muitos cientistas e inventores padecem do mesmo mal dos “autores”, cujos “direitos autorais” são de uma editora, estúdio, gravadora, etc., ou seja, uma empresa que geralmente já está consolidada no ramo e se aproveita de autores e pesquisadores “Zé Ninguém”.

Aparentemente o Poder Público tem uma grande afinidade com diagnósticos, pois custam caro, exigem a contratação de terceiros, o que abre portas para ganhos ilícitos, geram folders e comerciais “bonitinhos” e demoram um bom tempo para serem concluídos, sendo também uma resposta que normalmente a impressa engole bem. O Brasil possui boas Universidades e órgãos competentes na realização de diagnósticos (até mesmo a medicina diagnóstica é a que mais avançou por aqui), porém, usar os próprios diagnósticos para “empurrar com a barriga” as ações necessárias, e ainda lucrar com isso, deveria ser considerado crime. Não tiro o mérito dos diagnósticos e sua importância, mas a verdade é que em geral, os diagnósticos revelam o que todos já sabemos, “ensinando o padre a rezar”, principalmente porque já temos uma boa noção, de décadas de trabalho e problemas enfrentados na área, que definem quais são as ações urgentes e necessárias. Como exemplo, cito o caso do “Inventário Municipal de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa”, que é um trabalho bacana, mas cujos resultados não são usados como base para ações realmente efetivas, onde na realidade, as poucas ações tomadas independem dos resultados. Ninguém precisa confirmar mais uma vez que o transporte é um dos principais contribuintes com a geração de gases para se investir em tecnologias menos impactantes. Da mesma forma, ninguém precisa afirmar que há vinte mil tocos para serem destocados e que o plantio não está sendo feito a contento e na quantidade necessária para sabermos que precisamos de uma equipe específica para destoca e plantio.




Não existe a dicotomia criada de forma inteligente pelos ruralistas: “ou se conserva/preserva ou se produz alimentos”. A produção de alimentos é compatível com a preservação do meio quando técnicas adequadas são aplicadas a cada caso, sendo que a própria preservação é pré-requisito para que a produção seja viável ao longo do tempo. A aptidão natural das terras e o zoneamento agrícola são fatores importantes a serem considerados, por exemplo.

A revista “Visão Agrícola” de abril de 2012 traz matéria de autoria de André Meloni Nassar e Laura Barcellos Antoniazzi, denominada “Reforma do Código Florestal: uma visão equilibrada”. A matéria cita como ponto negativo da legislação atual a necessidade de recomposição dentro da mesma bacia, assumindo que tal requisito levaria à diminuição da área produtiva, acarretando perdas econômicas para os consumidores e para as regiões que dependem exclusivamente de atividades agrícolas. E chega ao cúmulo de defender as alterações no sentido de prevenir um deslocamento da área produtiva... Fala ainda que o código atual oferece insegurança jurídica aos produtores, e assumem que a realização do cadastro ambiental rural é impraticável sem a reforma da legislação (como se a realização de um diagnóstico ou cadastro não pudesse ser efetivada independentemente de qualquer alteração ou reforma na Lei).  Argumentam que não é interessante o cadastramento mantendo-se o Código Florestal atual, pois originaria sanções aos proprietários que desrespeitam o ambiente. Que belo argumento... Equivalente a acabar com o crime para que os criminosos não tenham medo de se identificar... Visão equilibrada? A trilha desta matéria deveria ser a de “Koyaanisqatsi”...

Considerando o número de perdas que temos em processos produtivos que não investem em aspectos básicos relacionados à colheita, transporte e armazenamento, falar em aumento de produção com novas tecnologias serve apenas a estas novas tecnologias em si, e a todos que ganham com elas.

Aparentemente estamos mirando muito mal o problema. Escolhemos usar uma tecnologia perigosa como a transgenia em nome de um aumento na produtividade por volta de 5%, quando perdemos até 70% de certos alimentos com transporte a armazenamento. Onde seria mais seguro, racional e eficaz investir?

Qualquer tecnologia que se revista do slogan “vamos matar a fome do mundo” é hipócrita enquanto alimentos forem desperdiçados e mal distribuídos, bem como é hipócrita esta nova Lei, que se reveste de falsa proteção ao pequeno agricultor e de pretenso aumento na produção de alimentos. De forma alguma as alterações no Código Florestal podem resolver a questão fundiária, a reforma agrária, a política agrícola, etc., como alguns textos supõem.

A aplicação desta nova Lei, ou mesmo sua mera existência, na prática prejudicará os serviços ecossistêmicos e a própria Agricultura, a qual depende direta e indiretamente deles (em relação à água, cerca de 70% do consumo é destinado à Agricultura). Só faria sentido se esta Lei for parte dos planos de lançamento dos transgênicos que dependam de menos água, graças à inserção do gene “cactos”...

Áreas de Preservação Permanente nitidamente possuem função econômica, porém, são de tamanha complexidade e preciosidade, que não é recomendável as valorar financeiramente, afinal, como diz o comercial: “há coisas que o dinheiro não paga”, porém, na falta de recursos naturais, nem o cartão vai resolver...

Obviamente que é possível aumentar a produção com utilização de tecnologias (e não precisa ser nada high-tech, pois nossa produção muitas vezes beira a medieval, enfeitada como moderna através do uso de agrotóxicos e máquinas agrícolas) e com a diminuição de perdas, sem, para tanto, diminuir as áreas de preservação, pelo contrário, aumentado-as.

Enfim, as mudanças propostas partiram de uma propaganda enganosa, que se reveste de causa socioambiental e na realidade interessa realmente a poucos, que infelizmente enxergam na agroecologia e preservação ambiental um inimigo à geração de lucro, ao invés de um aliado às condições de vida neste Planeta.

Seguir na direção desta nova Lei é o mesmo que dar vazão à ampliação do materialismo, reforçando nossa “origem civilizatória romana”.

Vivenciamos atualmente o reflexo de visões fragmentadas, que não mais conseguem enxergar a complexidade de interações, almejando o todo. A visão integrante e abrangente está em retrocesso.

A especialização requerida pelo mercado de trabalho faz parte deste retrocesso, pois não é acompanhada do “ligar os pontinhos”. Setores dentro de uma mesma Universidade não conversam entre si. E o abismo entre quem gera conhecimento (ainda que fragmentado) e quem faz a gestão, torna-se incomensurável.

O rumo reforçado pela alteração do Código Florestal influenciará diretamente na aceleração do processo de esgotamento de recursos naturais, na queda de produtividade futura, irreversível em curto prazo, em aumento dos preços, perda na qualidade dos alimentos, e diminuição da segurança alimentar (cada vez mais valerá de tudo para se obter um produto, e menos criteriosos os consumidores serão obrigados a se tornar).

Trata-se praticamente de uma “Nova Revolução Verde”, ainda mais irresponsável e com tecnologias muito mais perigosas que tratores, sementes híbridas e adubos.


1 - Modelo agrícola que prioriza o monocultivo e favorece o monopólio, alicerçado fortemente em recursos finitos (principalmente petróleo, agrotóxicos, fosfato e outros adubos minerais), de alta demanda energética, extremamente poluidores, impactantes e geradores de resíduos. Um modelo frágil e susceptível a enormes perdas, em reação a pequenas alterações no meio ambiental ou econômico. Em analogia, é como o país inteiro deixar de ser abastecido em energia elétrica por conta de “um único cabo” comprometido em Itaipú (18 Estados foram atingidos em 2009 e 10 Estados em 2011).

2 – Agrotóxicos

3 – Transgênicos

4 – Falsa sustentabilidade: uso inapropriado e inconsequente de adjetivos como: eco, eco friendly, ecológico, verde, sustentável, etc.

5 – Legislação falha e enfraquecida

6 – Inexistência de fiscalização e proteção ambiental eficaz (órgãos diminutos e comprometidos).

Em minha formatura no ano de 2004, além de contar com a presença do ex-presidente Lula, recebi o canudo do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, um dos ministros mais "longevos" do governo Lula, tendo entrado no governo em 2003. Foi escolhido por Lula por seus vínculos com o setor de agronegócio e com o cooperativismo. O Sr. Roberto Rodrigues foi o “cabeça” por trás da aprovação dos transgênicos no país, em uma condição vergonhosa para nação, configurando mais um exemplo que colabora com o fato do nosso Governo estar sendo na realidade regido por Corporações.

Na época Lula chegou a dizer que “Soja boa a gente come, a transgênica fazemos biodiesel”. O Rio Grande do Sul é o principal Estado produtor de soja transgênica. Em 2005 uma reportagem dizia que “Entidades de classe no setor agrícola gaúcho estimam que cerca de 90 por cento da área de soja do Estado foi cultivada no ano passado com soja transgênica, com grãos que foram multiplicados ilegalmente a partir de sementes contrabandeadas da Argentina nos últimos anos”, que “O plantio de soja transgênica foi autorizado com a aprovação da nova Lei de biossegurança, sob protestos de grupos ambientalistas e de defesa do consumidor. Estes grupos também exigem que alimentos produzidos a partir de soja transgênica sejam rotulados como tal, o que ainda não tem ocorrido no Brasil, apesar de existir legislação neste sentido”, e que “O governo também já aprovou o plantio de algodão geneticamente modificado, assim como a importação de milho transgênico para produção de ração animal”.

Até hoje os produtos não são rotulados. Atualmente comemos não só a soja, mas também milho, girassol e até mesmo trigo, todos transgênicos, incorporados de forma massiva na indústria alimentícia brasileira. A Monsanto é a principal responsável pelo desenvolvimento, venda e monopólio das variedades transgênicas. Quanto ao milho: “ratos alimentados com uma dieta rica em milho geneticamente modificado desenvolveram anormalidades em seus órgãos internos e alterações em seu sangue, segundo um estudo”. Hoje temos vários estudos comprovando que o milho transgênico causa distúrbios fisiológicos relacionados principalmente ao funcionamento dos rins e fígado.

Em 2005 Fernando Gabeira escreveu um texto esclarecedor sobre a aprovação dos transgênicos:

“O programa de governo previa uma moratória na plantação de transgênicos no Brasil até que se concluíssem os estudos sobre sua repercussão no meio ambiente e saúde humana. A Constituição previa que medida desse tipo, liberação de transgênicos no ecossistema, só poderia se realizar depois de um estudo de impacto ambiental”.

 “As sementes, contrabandeadas da Argentina, davam a vitória à multinacional Monsanto, que já estava dentro do país, lutando para dominar o mercado, não apenas com suas sementes, mas também com seu defensivo, a base de glifosato”.

“Sem estudo de impacto ambiental, sem sequer levar à prática a diretiva, aprovada no Parlamento, de rotular os produtos geneticamente modificados, o Brasil entrou numa nova e incerta fase. Tanto os produtores de soja convencional como os de soja orgânica temiam pela contaminação de seus produtos. Um estado brasileiro, o Paraná, chegou a se declarar livre de produtos geneticamente modificados, impedindo que transitassem pelo seu porto”.

“Lula conhecia a delicadeza do tema. Ele o discutiu inúmeras vezes, não apenas com ecologistas, mas também com o Movimento dos Sem Terra. Ele conhecia tão bem a dimensão do seu recuo que resolveu sair do país no momento em que a medida provisória seria assinada. Desta forma, a responsabilidade oficial pela medida ficou com o Vice-Presidente da República, José de Alencar. Industrial do ramo têxtil, José de Alencar afirmou que se sentia um pobre homem do interior tendo de decidir um tema de tal complexidade”.

“Meses depois, pressionando um Congresso bastante flexível à sua orientação, o governo aprovou uma Lei de biossegurança que garante a entrada dos produtos geneticamente modificados, desde que examinados por uma comissão de cientistas, de um modo geral, simpática à engenharia genética”.

“Para aprovar a plantação de transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto de Lei a aprovação de pesquisas científicas com células tronco, mobilizando centenas de portadores de doenças graves, esperançosos de uma cura pela genética. O debate acabou sendo polarizado em torno das pesquisas com células tronco, algo distinto de alimentos geneticamente modificados. A oposição à pesquisa com células tronco estava limitada a alguns grupos religiosos, católicos e evangélicos, assim mesmo os mais radicais”.


As alterações nos critérios impostas pela nova Lei provocam enorme retrocesso ambiental. Trata-se de uma verdadeira remoção sumária de mecanismos de proteção que geram uma perda evidente, tanto em relação à anistia quanto principalmente em relação à própria mudança de critérios.

A nova Lei na prática é mais um exemplo de ganância e avidez sem igual. No Estado de São Paulo, a cobertura florestal natural caiu de 82% por volta de 1850 para 10% no ano 2000. No Estado do Paraná, em 1890 tínhamos 98,32% de cobertura e em 2000, apenas 7,59%. Da mesma maneira, ocorreu no Sul da Bahia, de 1945 até 1990, onde sobrou apenas porção ínfima da original. O mesmo modelo pode ser visualizado na maioria dos estados do país. Acompanhar as imagens que indicam a cobertura florestal na linha do tempo é assustador.

Com base no conhecimento científico, as faixas determinadas pelo Código Florestal de 1965 são consideradas mínimas e deveriam ser ampliadas. Sobraram tão poucas áreas preservadas no Estado de São Paulo que o Projeto Biota da FAPESP concluiu que tudo que sobrou deveria ser preservado.

A defesa das APP não pode ser fundamentada em apenas uma função ecológica qualquer, pois para este tipo de argumento isolado sempre haverá alguma solução ou alternativa tecnológica específica, que desconsidera a complexidade dos ambientes naturais e suas interações entre fauna, flora e manutenção dos recursos naturais.

Não há tecnologia capaz de emular ou compensar o conjunto complexo de funções que exercem as áreas sensíveis ambientalmente e as APP, que além de sua importância intrínseca, visam proteger estas mesmas áreas sensíveis. Os entusiastas prepotentes da dominância humana sobre o Planeta tendem a enxergar fatores em isolado e soluções tecnológicas do tipo “bala única”, geralmente pouco efetivas e geradoras de grandes efeitos colaterais.

As diretrizes de gestão territorial deveriam funcionar em prol da qualidade de vida, porém, com o enfraquecimento da legislação ambiental e remoção de mecanismos de proteção, como população estamos sendo vítimas de um “estelionato ambiental”. Na remediação está alicerçado o “modus operandi” do Governo, que draga vorazmente os cofres públicos, mas não draga com tamanha eficiência os corpos d’água, pelo contrário, contribui para o assoreamento e a criação de uma situação que gera lucro interminável para as empresas que trabalham com isso e os “parasitas” de plantão.

Tal tipo de revisão da legislação, e o enfraquecimento da legislação ambiental em geral, se caracterizam como afronta e desrespeito ao meio acadêmico (à educação, não só universitária, mas em sua totalidade, começando com bebês e seus brinquedos cognitivos), a todos os profissionais e cientistas sociais que possuam de fato algum caráter.

É fato inconteste, para os bons profissionais ambientais (competentes e honestos) que trabalham com as Leis, de que a distância entre ciência e Lei está aumentando, e de que já alcançamos um distanciamento extremamente perigoso.

A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) foram ignoradas quando apresentaram os pontos para auxiliar os Senhores Senadores e Senhoras Senadoras na apreciação da matéria atentando para o que precisa ser revisto, através de documento muito bem escrito e munido de vastas referências bibliográficas, datado de outubro de 2011, e ainda se prontificaram a permanecer à disposição para colaborações:

 A SBPC e a ABC representadas pelo Grupo de Trabalho (GT) do Código Florestal comunicam aos Senhores Senadoras e Senadoras que continuam à disposição no intuito de colaborar com fundamentação científica e tecnológica na formulação de um instrumento legal que possa representar os anseios da sociedade brasileira com sustentabilidade econômica, social e ambiental”.

Exigir que bons profissionais considerem esta Lei é o mesmo que condená-los a noites mal dormidas e crises de consciência (caso tenha sobrado alguma).

Como profissional atuando na área ambiental, e como cidadão, recuso-me terminantemente a considerar uma Lei como a que se apresenta. Acredito que acatar e colocar em prática tal Lei é o equivalente a, não somente se infligir uma lobotomia, mas também apunhalar o próprio coração. Já sofri e chorei diversas vezes por conta da situação ambiental neste país e Planeta. Quanto mais, e quantos mais, terão de sofrer? Quantas gerações? Talvez a resposta seja: quantas um Planeta com líderes irresponsáveis e recursos cada vez mais escassos conseguir abrigar.

Todos os casos de infrações ambientais que trabalhei até o momento deixariam de existir com base na nova Lei. Não defendo a desconsideração da mesma por conta da manutenção do meu emprego, de forma alguma. Espero que tenha ficado claro em meu texto que as motivações se baseiam em uma preocupação com este Planeta, com as condições para qualidade de vida, e com a sobrevivência das espécies, inclusive a nossa. Preferiria muito mais ser desempregado em um mundo de natureza preservada. Há alguns que até mesmo comemoram a diminuição do trabalho, já que diversas situações que antes geravam um processo legal, com a nova Lei, deixariam de gerar. E há aqueles (como um chefe que tive no meu início de carreira, no setor ambiental da Duke Energy) que agradeciam pelos problemas ambientais, pois graças a estes ele tinha um emprego.

Lembro-me bem de uma aula da matéria “Introdução à Engenharia Agronômica”, onde o Professor Palestrante alertava para que não nos tornássemos meros vendedores de adubo e agrotóxicos depois de formados, pois nossa profissão era muito mais bela, abrangente e importante. Infelizmente, muitos dos meus nobres colegas de curso, mesmo em cargos políticos e de gerenciamento, tornaram-se, direta ou indiretamente, meros vendedores de adubo e agrotóxicos, fazendo jus aos apelidos “batateiros” e “agricolões”.

Parte do discurso de Al Pacino em “Perfume de Mulher” cabe também ao nosso ambiente universitário: “Fabricantes de homens, criadores de líderes. Tenham cuidado com o tipo de líderes que vocês produzem aqui”.

De todos os Engenheiros Agrônomos que conheci, os que de fato se tornaram vendedores de adubo e/ou agrotóxicos são os que possuem os maiores salários (conheci casos de vendedores agrônomos ganhando até 30 mil reais em um mês por conta de vendas massivas em grandes fazendas, enquanto que a maioria dos agrônomos empregados ganha em média algo em torno de 2,5 mil reais por mês, pois não existe na prática o amparo do CREA ao salário mínimo profissional, que seria o equivalente a nove salários mínimos regionais). Infelizmente são os vendedores quem de fato são valorizados e que realizam a extensão rural no Brasil, levando as "soluções" ao homem do campo, que coincidentemente sempre são o produto que gera lucro para as empresas.

A falta de valorização dos profissionais (salários, planos de carreira e estrutura) propicia, quando o caráter não está bem formado, trabalhos mal executados e o uso da estrutura para trabalhos alternativos, muitas vezes ilegais. Um dos lemas infelizmente comuns ao serviço público é: “gerar dificuldades para criar facilidades”. Resultados diferentes dos almejados, além da demora e ineficiência no trâmite burocrático, criam um mercado paralelo para procedimentos não autorizados, ou priorizados em função do pagamento de propinas.

Esta nova Lei é tão hedionda que para ela não cabe negociação. Qualquer negociação é uma derrota. Não se deve falar em revisão, uma vez que ela é produto direto do lobby ruralista, desprovido de assistência científica. Somente o veto total pode ser positivo, seguido da formação de um novo grupo, bem intencionado, contando com auxílio da comunidade científica, no sentido de rever a legislação à luz da preservação e de forma a favorecer realmente o pequeno produtor, a cadeia de alimentos produzidos de forma menos impactante e mais seguros (menos contaminação por agrotóxicos e agentes biológicos).

Neste momento cabe à comunidade científica registrar com clareza seus princípios junto à constituição. As alterações no Código Florestal são de caráter extremamente polêmico e vêm sendo alvo de críticas dos especialistas da área, que argumentam sobre a inconstitucionalidade de dispositivos do “novo código florestal”. A Lei deve ser questionada quanto à sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal que, infelizmente, historicamente demonstra tendência a privilegiar os interesses políticos em desfavor do conhecimento técnico-científico. Caso a Lei seja considerada constitucional, os recursos para discussão da questão praticamente se esgotam (mas não se esgota a capacidade da população se organizar e protestar). Só podemos ansiar e esperar por um julgamento realmente justo, livre de influências e interferências do poder.

NOTA DE REPÚDIO DA ABRAMPA

A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente - ABRAMPA, que congrega os Promotores e Procuradores de Justiça, Procuradores da República e do Trabalho que militam na área de defesa do meio ambiente no Brasil,  atenta ao direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, vem manifestar publicamente seu repúdio ao texto do chamado “Novo Código Florestal” aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados.

Não obstante as várias manifestações de membros do Ministério Público, de organizações da sociedade civil, de integrantes do poder público e de instituições de pesquisa, com demonstrações científicas e empíricas cabais da inadequação da reforma, o Congresso Nacional optou pela aprovação de um projeto de Lei que atende primordialmente aos interesses econômicos de pequena parcela da população, em detrimento de um direito fundamental consagrado pelo nosso texto constitucional e instrumentalizado por normas ambientais conquistadas ao longo de décadas.

Tal opção representa uma afronta à sociedade, sobretudo em um momento em que catástrofes ambientais e as constantes mudanças climáticas indicam que a tutela ambiental é insuficiente e necessita de ampliação.

Às vésperas da Rio+20, esperava-se que os representantes do povo brasileiro buscassem garantir adequada proteção ao meio ambiente, e que alterações legislativas na seara ambiental fossem feitas de forma responsável, buscando avanços, assegurada a participação pública e o equilíbrio dos diferentes interesses existentes.

A aprovação de uma Lei que reduz a proteção jurídica ao direito fundamental ao meio ambiente, implicando evidente retrocesso ambiental, é vedada pela ordem constitucional vigente e, portanto, passível de questionamento junto ao Poder Judiciário.

Ante o exposto, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente manifesta total repúdio ao texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados, depositando sua confiança no veto integral do texto pela Exma.  Sra. Presidenta da República.

Brasília, 07 de maio de 2012, Sávio Bittencourt - Presidente da ABRAMPA



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