Este artigo é de um velho conhecido meu. Ainda não havia lido nada mais completo, detalhado e esclarecedor. Aprendi um pouco mais. Há dezenas de outras indicações de leitura e vídeo. E vale cada parágrafo. Dedique um pouco do seu tempo e entenda todas as questões que envolvem essa polêmica. Para leigos e interessados.
O QUE DEVEMOS SABER SOBRE A LEI QUE ALTERA
O CÓDIGO FLORESTAL
Autor: Engenheiro
Agrônomo Henrique Mumme Harger da Silva
APRESENTAÇÃO
Com
o objetivo de colaborar para o esclarecimento da população em geral sobre a Lei
que altera o Código Florestal, elaborou-se o texto a seguir com base,
inspiração e motivação, nas apresentações da Dra. Silvia Jordão (Geógrafa) e
Mestre Roberto Varjabedian (Biólogo), realizadas no Anfiteatro de Geografia da
USP, em 03/05/2012, sob orientação da Professora Dra. Sueli Angelo Furlan do Departamento
de Geografia - FFLCH-USP, bem como no documento sobre o tema, de outubro de
2011, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira
de Ciências (ABC), e nas aulas, trabalhos e apresentações do Professor Dr.
Sergius Gandolfi e Professor Dr. Flávio Bertin Gandara, ambos da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, onde com muito orgulho me formei.
TÓPICOS
Há
uma forte percepção por parte do meio acadêmico de que as mudanças na
legislação são espelhadas no momento desenvolvimentista que vivemos atualmente.
Há forças de grande poder econômico “batendo de frente” com a legislação
ambiental, sem espaço para muita negociação.
As
mudanças no Código Florestal não são somente a “cereja do bolo” após uma série
de medidas enfraquecedoras das Leis e demais medidas protecionistas ao ambiente
(como a divisão, desarticulação e sucateamento de órgãos licenciadores, os
cortes de verbas para parques, reservas nacionais, indígenas e unidades de
conservação), mas também o “topo de um iceberg”, visto que desencadeará
alterações em demais legislações federais, estaduais e municipais, como por
exemplo, a “Lei da Mata Atlântica” que, diga-se de passagem, apesar de seus
pontos positivos, já exibe uma série de pontos controversos, criticados inclusive
por especialistas da área.
Para
quem trabalha com embasamento nas Leis ambientais, está claro que já há muito
tempo vêm ocorrendo uma “desconstrução da legislação ambiental”. A tentativa de
anistiar legalmente as multas geradas pela aplicação do Código Florestal, por
exemplo, ocorre há quase dez anos.
Há
uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2015/2000, em tramitação na Câmara
Federal, que visa suprimir a autonomia da União na demarcação de terras
indígenas, criação de Unidades de Conservação e reconhecimento de áreas
remanescentes de Quilombos. Mas esta não é a única matéria em tramitação no
Legislativo a preocupar. A PEC 38/1999, de autoria do senador Mozarildo
Cavalcanti (PTB-RR), em tramitação no Senado, pretende submeter demarcações de
reservas indígenas à aprovação privativa da Casa, e também limitar a 30% dos
territórios dos Estados as áreas demarcadas, ou Unidades de Conservação Ambiental.
Em suma, o Congresso em breve poderá ter o poder de demarcar, ou melhor,
redefinir as Reservas Indígenas e Unidades de Conservação a seu bel prazer.
Também
está em curso: alteração da Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), regularização
da mineração em terras indígenas, redefinição (entenda-se redução) de Unidades
de Conservação para implantação de Usinas Geradoras de Energia (como ocorreu
com Tapajós), a já citada fragmentação e sucateamento de órgãos e instituições
ambientais, interrupção da criação de novas Unidades de Conservação, menor
aporte de verbas para áreas de conservação e preservação regulamentadas, monetarização
da natureza, dentre outros.
No
que tange especialmente à redefinição de Reservas Indígenas e Unidades de Conservação,
além da permissão para que grandes empreendimentos geradores de energia ou de
mineração se instalem dentro das mesmas, possuo uma experiência pessoal muito
forte, que marcou minha vida, quando participei de uma reunião em 2006, junto
com os líderes dos setores ambientais de todos os grandes grupos geradores de
energia no Brasil. Esta experiência está devidamente relatada no documento
denominado “Raios X de uma Reunião”,
que em breve divulgarei acesso, onde posso adiantar que, de forma
impressionante, funcionou como um livro de “prognósticos da escuridão”, por
assim dizer, permitindo prever toda a desarticulação do protecionismo ambiental
colocada em prática (como favor prometido aos interessados), relacionada com a
subida ao poder de Dilma, na época Ministra de Minas e Energia.
Então,
face ao exposto, recomenda-se enxergar as alterações ao Código Florestal dentro
de um cenário mais abrangente no tempo e espaço.
A
cobertura realizada pela imprensa geralmente não esclarece a gravidade da
questão e nem mesmo ajuda na resolução, uma vez que não se aprofunda ou a
abrange de forma satisfatória, pulverizando o tema. A discussão na grande mídia
em oposição à Lei, quando existe, restringe-se à anistia. Praticamente todas as
grandes emissoras se manifestaram a favor dos ruralistas e do poder econômico
vigente, terminando reportagens extremamente incompletas (sem começo, meio e
fim) com frases do tipo “não há sentido
em se vetar uma Lei que ficou treze anos sendo discutida”, como se o tempo
de discussão de uma Lei importasse mais do que o “como”, “por quem”, “em que
condições”, e “porque”.
Os
princípios relacionados à temática estão sendo constantemente minados e, em
alguns casos, não estão claros para as próprias entidades, órgãos e grupos
correlatos. O convencimento das pessoas depende da clareza dos conceitos, e poucos
estão se empenhando o suficiente para torná-los claros e acessíveis.
Podemos
ir muito além de dizer e escrever “veta Dilma”, pois como você poderá comprovar
através deste documento, este é só um primeiro e “tímido” passo, apesar de
muito importante.
As
entidades contrárias à nova Lei devem ser identificadas, se unir de forma
organizada e reivindicar que a constituição e a comunidade acadêmica sejam
consideradas na composição da legislação.
Há
uma dificuldade histórica em mobilizar as pessoas a respeito de qualquer
assunto aqui no Brasil, uma vez que as realidades sociais são tão diferentes, assim
como os problemas que afligem cada uma destas classes. Há ainda uma forte
distração da população através de mecanismos específicos vinculados pela mídia
“mainstream” que, além de servirem a
tal propósito, geram muito lucro às emissoras. Nem mesmo os Síndicos dos
edifícios (quando raramente bem intencionados) conseguem mobilizar os moradores
para os problemas que estão próximos deles. O microcosmo de um condomínio emula
ou espelha o macrocosmo da nação. Difícil saber quem espelha quem, mas a
verdade é que, desde que fomos colonizados ou fundados, o Governo é o
responsável formal e quem detém os maiores e mais efetivos poderes para
mudanças (além de seus membros constituintes da alta hierarquia serem muito bem
pagos, e arrecadarem grande quantidade de impostos para que os serviços sociais
funcionassem de fato adequadamente).
Nossa
nação padece com a dificuldade histórica de elaborar, regulamentar e executar
de forma apropriada suas Leis, principalmente as ambientais, que sempre foram
enxergadas equivocadamente como entraves aos empreendimentos.
O
Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65) na realidade substitui o de 1934
(Decreto Federal 23793/34), elaborado no governo de Getúlio Vargas, onde é
relevante a informação obtida junto ao portal SOS Florestas: “Infelizmente, assim como aconteceu
anteriormente, essa Lei teve pouco sucesso. Vicejou seu descumprimento e total
desprezo, tanto por parte da sociedade como do Poder Público. Já em 1945,
Luciano Pereira da Silva, que foi seu relator enquanto tramitava no Congresso
Nacional, reconhecia a precariedade na execução de seus dispositivos,
decorrente da inércia, por displicência, das autoridades estaduais e
municipais, quando não a resistência passiva e deliberada".
Cabe
salientar que ambos os Códigos não procuravam limitar o direito à propriedade,
e sim disciplinar seu uso em função da relevância ambiental da área.
Somente
depois de três anos de discussões (grupo de trabalho formado em 1962) se obteve
o Novo Código Florestal, durante o governo de Humberto de Alencar Castelo
Branco, primeiro Presidente do regime militar instaurado pelo Golpe Militar de
1964, que morreu em circunstâncias misteriosas, em um acidente aéreo mal
explicado nos inquéritos militares, quando estava organizando com o Senador
Daniel Krieger um movimento contra o endurecimento do regime.
O
Código Florestal de 1965, diferentemente do que os ruralistas apregoam, teve um
embasamento científico muito forte, relevando os trabalhos acadêmicos de
diferentes áreas correlatas até então desenvolvidos.
Além
de todas as referências bibliográficas citadas no documento da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), que
contesta diversas alterações impostas pela nova Lei, discorrerei sobre alguns
aspectos, principalmente baseado nas apresentações da Dra. Silvia e Mestre
Roberto, citados anteriormente.
O
documento da SBPC e da ABA pode ser acessado na íntegra através do link:
O
conhecimento científico sobre os temas abordados pelo Código Florestal é vasto
e se encontra facilmente acessível. Portanto, há muita informação disponível
sendo ignorada neste processo. Infelizmente isto é comum de se observar na
política, não só de nosso país, mas de todo o globo, que é majoritariamente
desprovida de técnica ou assistência científica, acarretando em perdas sociais
incomensuráveis.
Uma
vez que a educação pública, com suas escolas e universidades, representa um
investimento de magnitude significativa, porque então não é considerada adequadamente
pelo Governo?
Dentre
as bases geomorfológicas abrangidas pelo Código Florestal de 1965, podemos
citar a consideração da dinâmica natural do relevo, o armazenamento hídrico dos
solos, dos mananciais de superfície e subsuperfície, e a qualidade das águas. Os
mananciais (fontes de água) dependem diretamente do equilíbrio dos processos
geomorfológicos.
A
dinâmica do relevo é dada por processos exógenos e endógenos que ocorrem desde
o nascimento desde Planeta (estima-se que há cerca de 4,54 bilhões de anos). A
maior parte do relevo terrestre é recoberto por materiais inconsolidados, ou
seja, que não estão fixos e, portanto, se movimentam. As placas tectônicas
operam de forma localizada e em escalas temporais diversas, e o clima, por sua
vez, atua constantemente.
Há
áreas mais sensíveis ambientalmente, onde os processos geomorfológicos ocorrem
de forma mais intensa e frequente, com alterações súbitas, como nas margens de
rios, áreas mais declivosas, e nas proximidades de vulcões em atividade.
Estas
áreas mais susceptíveis às alterações do relevo (intensidade e frequência dos
processos) são denominadas “nevrálgicas” e normalmente possuem outras
importâncias correlatas, relacionadas não só ao Meio Físico, mas também aos
Meios Biótico (fauna e flora) e Socioeconômico (nós todos, como comunidades
humanas), e nada mais são do que as denominadas APP (Áreas de Preservação
Permanente), com múltiplas funções ecossistêmicas e de caráter integrado.
Em
relação à criação das APP, além do Código Florestal, são importantes as
Resoluções CONAMA que acrescentam, complementam e detalham estas áreas, como as
Resoluções 004/85 e 303/2002 (veredas, topos e terços superiores dos morros e
montanhas, linhas de cumeada, escarpas, bordas de tabuleiros e chapadas, rampa
de colúvio, restingas, manguezais, dunas, altitudes a partir de 1.800 metros,
refúgios e áreas de reprodução de aves migratórias, praias, etc.).
Em
tese, as políticas públicas deveriam proteger a população, tornando as
sociedades mais seguras, como por exemplo, em áreas onde há frequentes abalos
sísmicos, nos casos em que Leis específicas orientam construções feitas de
forma a não desabar. No Chile e Japão as edificações são feitas com metais
recobertos de gesso ou outros materiais menos densos, de forma que durante um
tremor elas envergam, mas normalmente não desabam, diminuindo os riscos de
ferimentos letais.
No
Brasil, os principais problemas de segurança da população são relacionados à
ocupação de áreas de risco, principalmente pela população de menor renda. A
população de alta renda geralmente está relacionada à ocupação indevida nos
topos de morro, como é o caso do Hotel “Blue Mountain” em Campos do Jordão, e
de inúmeros loteamentos de alto padrão, além é claro, do uso destas áreas para
produção industrial, agrícola e pecuária, que implica em riscos indiretos à
população, relacionados às contaminações e exaustão de recursos essenciais.
A
Pousada Sankay em Angra dos Reis foi protagonista de uma grande tragédia no ano
de 2010, quando foi soterrada por um grande deslizamento, chamando atenção para
o fato de que a ocupação nas bases de áreas declivosas também oferece grande
risco por conta do deslocamento de massa acima. Mesmo onde não ocorrem
deslizamentos de massa, pode ocorrer erosão acelerada do solo.
Aparentemente,
de acordo com informações coletadas e compiladas em trabalhos acadêmicos, a
maioria dos deslizamentos de massa ocorre entre 25° e 35°, apesar de o Código
Florestal de 1965 considerar como APP apenas a declividade a partir de 45°, no
entanto, o Artigo 10 deste mesmo Código considera também o intervalo de maior
ocorrência de deslizamentos, conforme a seguir:
“Não é permitida a derrubada de florestas,
situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a
extração de toras, quando em regime de utilização racional, que vise a
rendimentos permanentes”.
Com
a nova Lei a redação relacionada ao assunto se encontra no Artigo 11, conforme
a seguir:
“Em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão
permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades
agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao
desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo
vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública
e interesse social”.
Nesta
nova redação não fica clara a proibição quanto à derrubada de florestas, uma
vez que “manejo florestal sustentável” e “atividades agrossilvipastoris” são
termos muito mais abrangentes e com maiores margens de interpretação. Além
disso, infraestrutura física geralmente significa obras de engenharia que
suprimem vegetação e impermeabilizam o solo.
A
Dra. Silvia Jordão, ao final de sua apresentação, deixou a seguinte pergunta
como reflexão: “Será que uma Lei pode
realmente mudar a dinâmica natural do relevo?”.
Atualmente
grande parte do entulho gerado pela construção civil nas grandes cidades, como
São Paulo, tem tido como destino os litorais, onde há firmas ou pessoas que
pagam por este material, utilizando-o para aterro de áreas úmidas, como
veredas, brejos, restingas e manguezais. As ocupações urbanas nestes locais
obviamente apresentarão, dentre outros problemas, um escoamento de água e
esgoto muito deficitário, uma vez que a área é naturalmente alagada e possui
baixa declividade, de forma que a água só poderia escoar com eficiência para um
depósito escavado no fundo do mar.
As
raízes do mangue retêm sedimentos, estabilizam as margens e enriquecem o ambiente
estuarino, vital para espécies diversas, como camarões, caranguejos, moluscos,
e outras que se reproduzem, alimentam e depois migram para o alto mar.
Na
nova Lei se manteve a proteção aos manguezais, mas se removeu as áreas
denominadas “apicuns” e “salgados”, excetuando-as da APP. No entanto, estes
ambientes fazem parte dos manguezais e são vitais para este ecossistema,
funcionando como meios de cultura para cianobactérias que constituem base da
cadeia alimentar, como área de expansão do mangue quando há alteração dos
níveis d’água, como auxiliar na reprodução de caranguejos (dentre outras
funções), tendo sido removidos principalmente em prol do interesse da
carcinicultura (cultivo de camarões) que atualmente impacta de forma
extremamente negativa e significativa os ambientes de mangue, principalmente no
nordeste do país (Rio Grande no Norte e Ceará), onde ocorre intervenção
agressiva com supressão que impede a regeneração, contaminação pelos efluentes
da produção, salinização do solo e do lençol freático, desequilíbrio na fauna
de peixes, crustáceos e moluscos, conflitos com extrativistas ribeirinhos que
vivem do mangue (foram reportados até mesmo assassinatos), dentre outros. Este
modelo de grande carcinicultura é extremamente insustentável e prejudicial ao
ambiente.
A
remoção da classificação de APP de ambientes integrantes do manguezal (apicuns
e salgados) não só irá manter os impactos atuais da carcinicultura, como
permitirá ampliações. A FAO estima que cerca de 50 mil hectares de manguezais
já tenham sido perdidos entre 1980 e 2005.
As
enchentes ocorrem de forma periódica ao longo dos anos, como é o caso no Vale
do Itajaí, em São Paulo capital, em São Francisco do Sul (grande parte sobre
restinga), entre inúmeros outros que protagonizam reportagens todos os anos, principalmente
por conta da ocupação irregular nas áreas de cheias naturais dos rios, ou de elevação
da maré. Rios com meandros possuem o chamado “cinturão meândrico” ou “faixa
meândrica”, ou seja, o leito maior do rio na época chuvosa, cuja determinação
depende do período de retorno, normalmente de 100 anos.
São
exemplos de rios originalmente com meandros no Estado de São Paulo: Rio do
Peixe, Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, dentre outros. As lagoas marginais, que
entram em contato com os rios sazonalmente, são de importância enorme para a
vida aquática. Em alguns casos, a largura da área de alagamento natural
ultrapassa 1.500 metros. O curta documentário de 2009, denominado “Entre Rios”,
de Caio Ferraz, que pode ser acessado no link http://vimeo.com/14770270, contribui ao
entendimento da questão. Para este assunto ainda contribui de forma
extremamente valiosa o trabalho “Áreas de Preservação Permanente relacionadas aos
mananciais no Estado de São Paulo” – BOIN M.N. et al. (diversos autores integrantes do CAO - CENTRO DE APOIO
OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE URBANISMO E MEIO AMBIENTE) - 2007.
Infelizmente
nosso Governo, em sua forma de fazer política, demonstra uma preferência geral
pela remediação do que pela prevenção, o que talvez seja explicado em parte
pelo sistema de lucro consolidado relacionado aos mecanismos de reconstrução
após desastres (algumas ações, como a dragagem, são responsáveis por gastos monstruosos,
que dragam efetivamente o dinheiro público, mas de forma extremamente
questionável os fundos dos corpos hídricos). A dragagem para desassoreamento em
rios, lagos, canais e mesmo em portos são cada vez mais intensas e frequentes
(além de mais dispendiosas).
Com
as alterações no Código Florestal, a poluição atmosférica e dos corpos hídricos
tende a se acentuar gravemente. Muitos tipos de solos naturais são normalmente
excelentes filtros físicos, químicos e biológicos, purificando a água percolada.
Por conta disso que as águas em profundidade geralmente exibem melhor qualidade.
Desprovido de cobertura vegetal, parte deste filtro natural é comprometida, o
solo se torna mais susceptível à erosão e acumula menos água, de forma que o
abastecimento de nascentes e lençóis freáticos diminui, e o “run-off” (escorrimento) aumenta (mais lixiviação
e erosão), por consequência aumentando a vazão dos córregos (mais água chegando
mais rápido), diminuindo suas calhas (assoreamento) e elevando as chances de
enchentes e contaminação das águas (nutrientes do solo, matéria orgânica,
adubos, agrotóxicos, dentre outros).
As
metragens para determinação da APP, quando existentes ao caso específico
(algumas deixaram de existir com a nova Lei) continuam as mesmas, porém, a referência
para medição foi alterada, e de forma drástica. A faixa de APP deve ser
determinada a partir do nível mais alto conhecido para o curso d’água (área de
cheia sazonal), de preferência usando estudo para o período de cheias em
período de cem anos. No entanto, a nova Lei fala em medição a partir do leito
regular, o que implica diretamente na perda de áreas de várzea, as quais de
acordo com o texto poderão ser exploradas na produção agrícola.
A
faixa de 50 metros para APP de vereda desapareceu, bem como das áreas de
várzea. Além da perda propriamente dita, de uma área sensível essencial para
manutenção de diversos organismos aquáticos que deveria ser protegida por uma
APP, teremos um incremento na contaminação de corpos hídricos por agrotóxicos.
O
Brasil gasta anualmente quase dois bilhões de dólares com venenos, e cerca de
80% dos agrotóxicos produzidos no país são fabricados no Estado de São Paulo. Segundo
a ANVISA, o Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo, e o
primeiro na América Latina. Em reportagem de 2011, o gerente geral de
toxicologia da ANVISA, Luiz Cláudio Meirelles, informa que em determinadas
amostras (frutas, legumes e verduras) havia mais de cinco tipos diferentes de
agrotóxicos não autorizados. Em 2006, o resultado de um estudo norte americano
revelou que pelo menos um pesticida foi encontrado nas águas de todos os rios
amostrados nos EUA.
De
que adianta produtores de morango obterem frutos grandes, brilhantes e de
vermelho intenso, se eles contém mais veneno do que a maçã da “Branca de Neve”?
Os próprios produtores muitas vezes não os ingerem (compram orgânicos), mas
vendem para outras pessoas se contaminarem.
Quanto
aos orgânicos, temos de ir além dos rótulos, uma vez que a maioria das
certificadoras mais arrecada do que de fato certifica. Grandes propriedades em
monocultivo pouco têm em comum com a produção orgânica. Há, por exemplo, café
brasileiro sendo exportado para Inglaterra como de qualidade “número um”, “premium” e “orgânico” que, no entanto, adiciona
quantidades massivas de agrotóxicos nas leiras de cultivo.
Aparentemente
não houve mudanças em relação aos tabuleiros, no entanto, as agressões causadas
nestas áreas até julho de 2008 serão anistiadas.
Toda
supressão ilegal realizada até 22 de julho de 2008 será anistiada e boa parte
considerada regular frente aos novos critérios (22/07/08 é a data do Decreto nº
6.514 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente,
estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e
dá outras providências).
Os
topos de morro absorvem água da chuva e geram nascentes em seus afloramentos,
que por sua vez geram córregos e riachos, que formam rios ainda maiores nos
fundos de vale, os quais contribuem para os reservatórios que nos abastecem.
Com a nova Lei as APP de topo de morro praticamente deixam de existir. Em
analogia funcionaria como o favorecimento ao extermínio de organismos-base na
cadeia alimentar.
No
caso dos topos de morro como APP, a referência de base a ser considerada em
relevos ondulados agora é a “sela”, ao invés do fundo de vale. A amplitude
mínima deixa de ser 50 metros e passa a ser 100 metros. A declividade mínima
deixa de ser aproximadamente 17° e passa a ser 25°.
Para
quem nunca trabalhou delimitando APP em topos de morros é difícil imaginar o
que na prática estas mudanças significam, então aqui seguem alguns exemplos: O
município de Santo Antônio do Pinhal que antes, com uso de carta do IBGE de
precisão 1:50.000, tinha mais de 50% de seu território definido como APP (topo
de morro e trechos hídricos) perde praticamente todas as APP de topo de morro
(deixam de existir). Em outro estudo de caso, a APP de 720 hectares para topo
de morro passa a ser de 06 hectares (menos de 1% da área original). Em São Luís
do Paraitinga, cerca de 250 hectares de APP de topo de morro desaparecem.
Apenas
nas situações de morros em relevos não ondulados (geralmente os morros próximos
ao litoral) é que a base não será a sela, porém, as restrições de tamanho e
declividade também se aplicam. Em suma, antes a referência era o “pé” do morro,
agora é o “ombro”, e um morro, para ser considerado como tal, ainda tem que ter
o dobro do tamanho (amplitude) e ser 8° mais declivoso. Quem ganha muito com a
quase extinção das APP de topo de morro é a silvicultura (produção de madeira).
Quando
removemos a vegetação do entorno, algumas nascentes antes perenes passam a ser
intermitentes (ocorrem somente nas épocas chuvosas), ou mesmo deixam de existir
(secam completamente de forma definitiva).
A
nova Lei ainda fala que só é considerada nascente quando esta dá origem a um
curso de água perene, dessa forma desconsiderando todos os cursos
intermitentes, que deixam de ter APP. Note que é consenso científico que
nascentes perenes, uma vez desprovidas de vegetação natural, tendem a se tornar
intermitentes ou mesmo secar. Obviamente o mesmo ocorre com os cursos hídricos
formados pelas nascentes. Ao desconsiderar a APP de cursos intermitentes, estaremos
os condenando à extinção e, consequentemente, à redução do aporte hídrico dos
demais cursos perenes, que por sua vez, poderão se tornar intermitentes e no
futuro secarem, caracterizando esta medida como uma ação nitidamente auxiliar
na destruição e extinção progressiva de recursos.
No
entorno de reservatórios artificiais as APP cumprem igual importância, não só
necessárias como compensação ao impacto causado, mas também como habitat,
conservação da biodiversidade, e para diminuição do assoreamento. No entanto,
com a nova Lei elas praticamente deixam de existir. Mesmo alguns órgãos ligados
à geração de energia já manifestaram serem contra a nova Lei, principalmente por
conta do impacto na própria geração de eletricidade, visto que a redução ou
ausência de APP compromete diretamente os mananciais (qualidade e quantidade de
água). Desde a década de 90 existem reservatórios hidrelétricos tão assoreados
que foram obrigados a interromper a geração de energia (da Enersul) e prestam hoje
somente à retransmissão da energia oriunda de Itaipu.
De
acordo com a nova Lei, a APP não se aplica quando não se tratar de barramento
ou represamento de curso d’água, ou quando a superfície for inferior a um
hectare, e ainda diz o seguinte:
“Para os reservatórios artificiais de água
destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados
ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à
Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de
Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e
a cota máxima maximorum”.
Este
trecho é muito preocupante, uma vez que atualmente se mede a APP a partir da
cota máxima maximorum, e não até a
mesma. A cota maximorum nada mais é
do que a cota alcançada pela maior cheia em um período de 100 anos (tempo de
retorno). Esta diminuição na faixa é uma perda, e pode se dar de forma drástica
nos reservatórios ditos “encaixados”, onde há declividade mais acentuada
próxima às margens. Em um estudo de caso, a APP de um reservatório caiu de
aproximados oitenta hectares para cerca de sete hectares (menos de 9% da área
originalmente protegida).
Reservas
Legais possuem regime jurídico diferenciado das APP, no entanto, são também
áreas de conservação, ecologicamente importantes. A nova Lei muda até mesmo
conceitos elementares como APP e Reserva Legal, além de apresentar outras
mudanças nitidamente mal intencionadas em simples termos, que por sua vez abrem
mais brechas para serem considerados legalmente amparados os impactos
ambientais que não podemos mais nos dar o luxo de suportar ou aceitar. Por
exemplo, ao invés de “preservar fluxo gênico”, falam em “facilitar fluxo
gênico”.
Reservas
Legais serão áreas produtivas, podendo ter até 50% de exemplares exóticos, como
Eucaliptos e Pinheiros, diminuindo a diversidade e riqueza de espécies,
aumentando a pressão de uso sobre a área, e prejudicando as funções de
conservação.
Os
que defendem a alteração da Lei dizem que as porcentagens não mudaram (80% com
possibilidade de redução para 50% na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nas demais
regiões), porém, esquecem-se de dizer que as APP podem ser consideradas ou
computadas na composição da área de Reserva Legal. Além disso, as “pequenas”
propriedades não são obrigadas a realizarem a recuperação (chegam a 400
hectares). E pasmem: a compensação por determinados impactos contempla outras
áreas fora da região impactada. Removeram-se as micro-bacias hidrográficas como
referência, permitindo dessa forma que um impacto gerado no norte do país possa
ser compensado no extremo sul, em biomas completamente diversos. Coisa que no
Estado de São Paulo já ocorreu, quando vinte e duas bacias foram
“transformadas” em apenas duas bacias - Bacias Hidrográficas do Paraná e do
Atlântico Sudeste - para efeitos de aplicação da legislação de compensação -
Decreto nº 53.939, de 06 de janeiro de 2009, já contendo aspectos em resposta à
pressão dos setores ruralistas.
Claro,
porque não, já que temos somente uma espécie vegetal e outra animal no país
inteiro, e que todos os biomas são idênticos... Peço desculpas pela ironia, mas
há momentos em que isso tudo parece ser uma piada de muito mau gosto.
Imaginem
a título de fiscalização o que isto não representa, uma vez que a fiscalização
da compensação dentro de um pequeno território - distrito de Subprefeitura, por
exemplo - já ocorre de forma extremamente falha e deficitária.
Para
este assunto colaboram ainda os seguintes trechos de documento técnico composto
em fevereiro de 2009, de autoria do Biólogo Roberto Varjabedian e Eng. Agrônomo
Eduardo Pereira Lustosa, que abordam, além das distorções na definição de
bacias hidrográficas, a flexibilização da exigência de averbar Reserva Legal, a
implantação de Sistemas Agroflorestais, e a presença de espécies exóticas:
“Promove-se assim a criação de lacunas ou
vazios, que tendem a ficar desprovidos de remanescentes de ecossistemas
naturais, potencializando desequilíbrios ecológicos. Cabe alertar que extensas
áreas poderão permanecer com baixíssimos níveis de biodiversidade e com
alteração significativa dos processos da natureza, somando-se às áreas que já
se encontram nesta condição atualmente. Ao mesmo tempo, estão sendo criadas
demandas ainda maiores e complexas de controle e fiscalização ambiental, para
um sistema de gestão público que opera com notável fragilidade estrutural e
operacional”.
“As inovações destacadas anteriormente se
revelam como diretrizes altamente nocivas. Constituem ataque frontal à
manutenção da biodiversidade e estão na contramão de todos os compromissos
assumidos por vários países do mundo e pelo próprio Brasil em relação a este
tema”.
“Também configuram uma fragilização das metas
estabelecidas na legislação ambiental, ferindo os princípios da preservação e
restauração dos processos ecológicos essenciais; da preservação da
biodiversidade e integridade do patrimônio genético, e da proteção da flora,
bem como da manutenção de suas funções ecológicas, os quais são citados na
Constituição Federal, art. 225, parágrafo 1º, números I, II, III e VII”.
“Com a perda de rigor na exigência do devido
estabelecimento de áreas protegidas, perdem-se também serviços ecossistêmicos
de florestas nativas e de outros ambientes, especialmente no que se refere à
necessidade de garantir um caráter homogêneo para a sua distribuição espacial
no território, com a promoção de prejuízos à restauração de habitats em áreas
degradadas, das interações ecológicas e de componentes bióticos da flora e da
fauna silvestre”.
“Assim, nos deparamos com a perspectiva de
notáveis prejuízos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à qualidade
ambiental e à qualidade de vida, contrariando os princípios do próprio Código
Florestal, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81) e da Constituição
Federal (art. 225)”.
O
estado de conservação ambiental no conjunto do território é muito mais
importante do que a presença de áreas isoladas para conservação, não desmerecendo
a importância destas, pois na realidade elas também compõem o conjunto.
O
raciocínio que leva à compensação longínqua como solução aceitável é perverso e
extremamente falho. Além disso, ações de recuperação, por mais tecnificadas que
sejam, nunca resultam em algo tão precioso quanto o ambiente natural formado ao
longo de milhares de anos.
Este
raciocínio foi ainda fomentado pela concepção dos créditos de carbono, que na
prática servem para dar “selo verde” para ações que nunca poderiam receber
alcunha ecológica. É confortável e conveniente acreditar que plantar mudinhas
de árvores (que quando de fato são plantadas, geralmente o são de forma
deficitária e nem mesmo recebem o acompanhamento devido - muitas vezes morrendo
posteriormente) compensa queimar petróleo, inundar áreas naturais,
impermeabilizar grandes áreas, construir arranha céus, consumir determinado
produto ou serviço, etc. A conveniência é aprimorada quando se criam campanhas
que induzem as pessoas a acreditarem que apertando um botão virtual em um site,
ou comprando determinada marca de detergente, o consumidor está automaticamente
plantando uma árvore. Na prática inventaram o alívio de consciência ambiental
instantâneo, que ainda agrega valor no produto. Há até mesmo “ações verdes” na
bolsa de valores.
Conheço
um caso onde o impacto de uma empresa europeia procurou ser compensado com um
reflorestamento no norte do Brasil. Para efetivação deste reflorestamento (para
ficar bonito na foto do folder e no vídeo institucional), áreas de regeneração
natural foram suprimidas e quantidades massivas de agrotóxicos desfolhantes
(capina química) foram aplicadas via aérea (alta tecnologia). A deriva deste
agrotóxico aos corpos d’água (tanto diretamente pela via aérea de aplicação
quanto posteriormente através de lixiviação) provocou a morte de centenas de tartarugas
que reproduziam em uma praia no leito sinuoso do rio. Bela compensação.
Já
trabalhei pessoalmente com estas ações de recuperação e visitei outras mais
(inclusive os primeiros reflorestamentos realizados pela CESP) e, infelizmente,
o resultado geralmente é frustrante.
Plantios
arbóreos homogêneos para extração de madeira estão muito longe de
caracterizarem ambiente florestal e, mesmo os reflorestamentos mais antigos do
Brasil, iniciados pela CESP em 1978, com plantio de espécies nativas em porções
no entorno de reservatórios, atualmente não se parecem em nada com florestas,
visto a ausência de diferentes estratos, inexistência de sub-bosque, epífitas,
lianas, cipós, pteridófitas, e mesmo de exemplares da fauna normalmente
encontrados em áreas naturais da região. O resultado é extremamente díspar da
complexidade de um ambiente florestal natural e se trata na realidade de um
ambiente simplificado, com muito menos interações e funções ecológicas. Isto
ocorre principalmente pela insuficiência ou ausência de banco de sementes no
solo, e falta de interligação com fragmentos florestais naturais que atuam como
fontes dispersoras.
Não
há regeneração mais efetiva do que aquela efetuada pela natureza, e onde
sobraram condições para que a natureza se reestabeleça (banco de sementes no
solo, e em fragmentos conservados). Basta que o ambiente seja protegido contra
ações humanas que inibem ou impedem o processo, às vezes cabendo ações de
incentivo à regeneração, como o enriquecimento florestal (adição de mudas mais
velhas e em espaçamento maior), remoção de gado, cercamento, fiscalização, capina
seletiva, dentre outros.
Como
agravante em relação à eficiência de reflorestamentos e sua abrangência, quando
há informações providas pelo Governo quanto à área de reflorestamento existente
no Brasil, normalmente são computados os plantios de Eucaliptos e Pinheiros,
que abrangem áreas muito mais extensas do que os reflorestamentos que de fato
procuram restaurar um ambiente florestal. Percebe-se má fé mesmo quando lemos
em palitos de sorvetes a inscrição “madeira
oriunda de reflorestamento”, visto que esta madeira na realidade é oriunda
de um plantio comercial de Eucaliptos e/ou Pinheiros, plantados em área que
provavelmente já abrigou uma floresta. Pela legislação ambiental, árvores
nativas normalmente não poderiam ser exploradas para confecção de palitos de
sorvete.
Outro
“truque” está no fato de equivocadamente associarem propriedades rurais de até
04 (quatro) módulos fiscais com “imóveis rurais da agricultura familiar”,
“terras indígenas” e “povos e comunidades tradicionais”, quando dizem: “Nas
Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade
das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas
rurais consolidadas até 22 de julho de 2008”. Note que:
1 -
Há uma diferença significativa entre a medida convencional de pequena
propriedade rural familiar (normalmente até 30 hectares) e as dimensões dos
quatro módulos fiscais, que chegam a representar 400 hectares na Amazônia e 160
hectares no Estado de São Paulo, que com a nova Lei, ficam desobrigadas da
recuperação de reservas legais. Mas o problema maior não está com o tamanho em
si, pois pode realmente uma grande propriedade ser familiar. O problema está principalmente
em considerar como critério de classificação principal apenas o tamanho, sendo
que há muitos outros fatores que caracterizam a denominada “agricultura
familiar”.
2 –
Diversas “pequenas” áreas formam grandes extensões. Já é técnica comum dos
empreendedores subdividir propriedades para chegar a tamanhos onde a Lei não se
aplica ou é aplicada de forma diferenciada, procurando se desviar das
necessidades legais ambientais. Atualmente não há mecanismos inibitórios
eficientes desta prática. A tal pequena propriedade pode até mesmo ser “pessoa
jurídica”. Vários pequenos impactos quando somados se revelam enormes. Além
disso, qualquer tamanho de agricultura necessita de apoio técnico científico e
deve zelar pela preservação de recursos. Nem sempre o tamanho da propriedade
está ligado ao tamanho do impacto gerado na mesma. Uma produção de gado
confinado pode ser instalada em poucos hectares e ainda assim consumir muita
energia e gerar milhares de toneladas de resíduos, por exemplo.
Então
os pequenos produtores não são mais tão “pequenos”, e dessa forma todo o
discurso de proteção à agricultura familiar e aos pequenos cai bem aos “mascarados”
médios e grandes impactadores (como se não bastasse o fato de que muitos
pequenos juntos formam um grande problema quando não são respeitadas as
variáveis ambientais).
A
perda de APP é variável para cada região, porém, é extremamente significativa
em todos os casos. Em estudos de casos particulares, com amostras em determinados
quadrantes, a perda de áreas para preservação permanente variou entre 40 e 80%.
Ainda de acordo com estudo da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, o percentual de perda de áreas
protegidas poderá chegar a 60% em comparação ao Código Florestal vigente.
A
nova Lei ainda está totalmente na contramão do compromisso assumido pelo Brasil
na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Um
estudo do IPEA revelou que se as pequenas propriedades (não tão pequenas assim)
ficarem dispensadas da recuperação da área de reserva legal desmatada
irregularmente (onde a APP pode ser computada como reserva legal) o país
perderá 29,5 milhões de hectares potenciais de florestas e, no melhor dos
casos, 11,6 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (TCO2 eq)
deixariam de ser absorvidos nos biomas do país.
Mas
liberar uma parte das propriedades do cumprimento da Lei poderia incentivar
outros produtores e, potencialmente, elevar o desmatamento, somando uma área
total de 47,9 milhões de hectares sem cobertura florestal. Nesse cenário, a
liberação de carbono contido nas reservas legais poderia chegar a 18 bilhões de
TCO2 eq.
O
estudo do IPEA considerou só reservas legais, mas o Observatório do Clima, que
reúne ONGs ligadas ao aquecimento global, fez estudo somando à supressão da
reserva legal impactos de possível redução das matas ciliares de 30 metros para
15 m nos cursos da água com até 5 m de largura. O exercício deixa o Brasil
ainda mais distante dos objetivos de mitigação das emissões. Pelo levantamento,
as emissões podem alcançar 25 bilhões de TCO2 eq (13 vezes o total emitido pelo
país em 2007).
O
IPEA estimou com base em um preço conservador do carbono - US$ 5 no mercado de
ações voluntárias - que a preservação das reservas legais poderia gerar de US$
92 bilhões a US$ 141 bilhões aos proprietários brasileiros.
Fernando
Gabeira diz em seu Blog: “O único consolo
é que na vigência de Leis mais severas, o meio ambiente era destruído de
qualquer jeito. Na vigência de multas pesadas, poucos centavos eram recolhidos
aos cofres do governo. Para o bem ou para o mal, as Leis não são ainda o fator
determinante”.
Como
é cada vez mais comum, nosso país, com esta Lei, resolve acabar com o crime o
tornando legal. E não estou me referindo somente à anistia, mas principalmente
aos novos critérios, que acabam com a maioria dos passivos ambientais em
qualquer propriedade do país. Além disso, é mais um reforço na equivocada
política “poluidor-pagador”, que já pode ser considerada também
“cortador-pagador” há muito tempo, visto, por exemplo, como na prática ocorrem
os Termos de Compensações Ambientais. A tendência de se colocar unidades
monetárias na natureza só contribui negativamente, pois aumenta o poder de quem
tem dinheiro justificar o que bem entender.
Se
não em sua redação, com certeza na maioria das interpretações e aplicações
práticas, muitas Leis são inconstitucionais.
Todas
as críticas, muito bem amparadas tecnicamente, às mudanças que fragilizaram a
legislação ambiental ao longo dos anos, não refletiram em revisões. Foram
ignoradas.
O
termo “insegurança jurídica” tem sido vinculado por alguns veículos da
imprensa, como na reportagem da revista “Isto É”.
A
insegurança jurídica não será inaugurada, ou exclusiva ao caso em questão. Já
está instaurada e infelizmente faz parte do “modus operandi” nacional. Há legisladores fabricando Leis ao bel
prazer a muito tempo, com “recortes e colagens” desprovidas de assistência
técnica adequada, muitas vezes com uma redação que abre brechas para interesses
ocultos, ou que serve para arrecadação e/ou propaganda eleitoral. Muitas Leis
são contraditórias ou entram em conflito com as já existentes sem, no entanto,
as substituir. Há Leis tão estapafúrdias, beirando o ridículo, que se tornam
parte de “notícias cômicas”. Coisas similares a algo como “Prefeito cria Lei que
proíbe chover aos sábados e domingos”.
Uma
Lei que já não vem sendo respeitada se conserta legalizando os desrespeitos? Talvez
não, mas pelo menos assim todas as irregularidades passam a ser regulares, os
impactadores aliviam a consciência, e perdem o medo de serem “importunados” com
processos judiciais, “ecochatos” e seja lá o que eles temem (o ambiente “bicho
papão”), quando o prudente seria temerem os reflexos de tamanha pressão
negativa e imprudente sobre o meio. Veja, não estamos falando de algo como a
“Lei seca”, e sim de uma Lei que auxiliará na perpetuação da seca. Do filme “Os
Intocáveis”: “Repórter: Inspetor Ness...
agora que a lei seca foi revogada e não é mais proibido beber bebidas
alcoólicas o que o senhor vai fazer? Se aposentar? Inspetor Ness: Primeiro vou
tomar um drink”.
A baixa
efetividade da Lei atual ocorre principalmente por conta da falta de
fiscalização e de órgãos bem estruturados, com profissionais e chefias
desvinculadas de interesses escusos (hoje escusos somente para os “cegos,
surdos e loucos”).
Não
se resolve a baixa efetividade da aplicação de uma Lei tornando os resultados
dessa baixa efetividade legais. E se desejam abrandar a Lei com a desculpa de
que a atual é inexequível, utópica, ou seja lá qual outro adjetivo falacioso
inventem... Onde está a estrutura bem formada e forte que atuará para que esta
nova Lei seja cumprida efetivamente a partir de sua promulgação? Bem, mesmo que
houvesse tal estrutura, a aplicação da nova Lei traz mais danos do que
benefícios e, considerando-se a inexistência de tal estrutura eficaz, funciona
na prática como “carta branca” para mais absurdos irresponsáveis, para um
ambiente cada vez menos resiliente e seguro.
Aproxima-se
da loucura o fato de profissionais defenderem tal reforma, principalmente
quando consideramos o quadro atual de danos ambientais já cometidos, em tão
curto lapso temporal. Deveríamos estar
defendendo maiores restrições (note que as faixas de APP do Código Florestal
são mínimas, e estão longe de serem cumpridas ou efetuadas) e a aplicação de
fato da Lei, com órgãos mais estruturados (profissionais competentes e equipamentos).
No entanto, estamos rumando na direção contrária, e motivados pelo interesse de
poucas Corporações (bela Democracia esta onde o interesse de empresas é que
rege Leis e as aprova, ainda por cima revestidas de causa social).
Fica
evidente que a maioria de nossos políticos está pouco atenta à legislação
existente quando o próprio Deputado Federal Aldo Rebelo, um dos principais
relatores da Lei que altera o Código Florestal, demonstra desconhecimento sobre
a abrangência do Código Florestal não só nas áreas rurais, mas também nas
urbanas.
Historicamente
as áreas urbanas têm sido foco de inúmeros desrespeitos ao Código Florestal,
desrespeitos estes considerados gritantes, principalmente por conta de sua
visibilidade, da organização administrativa existente nas metrópoles, e da
significância que as áreas verdes assumem em locais poluídos e contaminados,
como é infelizmente o caso de nossas cidades.
Os
municípios, através de brechas na legislação maior, vêm criando “Leis de Uso do
Solo” e “Planos Diretores” que em tese deveriam ser mais restritivos que a
legislação Federal ou Estadual, mas que, no entanto, tem servido como
ferramenta para justificar grandes impactos, consolidados ou não, ou ainda, que
estão por vir (“projetos progressistas”).
Por
conta destas Leis que funcionam como “ferramentas do progresso a qualquer
custo”, interesses particulares têm predominado sobre os interesses coletivos
ou comuns, inclusive, das futuras gerações. Frequentemente Prefeitos criam
perímetros urbanos à revelia de qualquer critério técnico ou legal, de forma
que a legislação municipal aparentemente é feita em prol de um particular, não
se aplicando conceitos ou argumentações técnicas básicas para urbanização em
isonomia na região, principalmente ao considerarmos a frequente criação de
polos urbanos não conectados à malha urbana principal, em locais com único
proprietário, ou com poucos. A criação de um perímetro urbano deveria ser
embasada na presença de serviços urbanos (como rede de energia, esgoto e água) conforme
Resolução CONAMA 369/2006 Art. 9, onde devem ser considerados apenas os
serviços municipais (implantação e manutenção) para fins de caracterização, uma
vez que qualquer loteamento pode criar sua própria estrutura e desta forma,
qualquer fazenda poderia se tornar urbana. Vale lembrar que Leis municipais não
poderiam alterar a legislação ambiental para criar concessões, mas apenas para
restringi-la.
Atualmente,
o loteamento em áreas naturais tem sido uma das principais forças motrizes para
o desmatamento das formações florestais remanescentes no Estado de São Paulo,
de forma que os fragmentos em meio a estes loteamentos deveriam ser no mínimo
“abraçados” pelos interessados residentes, visando sua proteção, conservação e
incremento das funções ecossistêmicas. A fauna, com habitat cada vez mais
escasso, se concentra nestes remanescentes e acaba interagindo com o meio
urbano. Há até mesmo uma animação norte-americana lançada em 2005, denominada
“Os Sem-Floresta”, que trata o assunto (infelizmente também em voga nos Estados
Unidos) de maneira bem humorada e didática.
A
nova Lei diz ainda que novos empreendimentos terão faixa de APP definida pelo
licenciamento (entre 15 e 100 metros nas áreas rurais e de 15 metros nas áreas
urbanas). Quem já trabalhou com, ou em órgãos licenciadores (de todas as
esferas), sabe da precariedade estrutural, da desorganização, e das fortes
influências políticas que passam por cima de qualquer aspecto técnico, fatores
estes que chegam a frustrar os bons profissionais de forma significativa,
levando-os a procurarem alternativas profissionais, muitas vezes com o próprio
empreendedor, onde entendem poder influir mais positivamente nas decisões do
que através do órgão ambiental. No entanto, minha experiência pessoal não
revelou tal possibilidade, sendo difícil chegar à conclusão de onde é mais
frustrante trabalhar, no setor ambiental privado, em órgãos governamentais, em
consultorias, ou em ONGs.
Além
disso, a nova Lei aumenta o poder do município quanto à definição da largura de
faixa de APP e mesmo quanto às autorizações para supressões. Em Santa Catarina
uma Lei municipal já se antecipou à tendência e definiu APP de 5 metros.
Este
tipo de transferência de poder, que já vem ocorrendo na legislação há algum
tempo, demonstra uma inversão na hierarquia, de forma que na prática, o poder Municipal
(o mais desorganizado, incompetente e desonesto) ocupa o topo da pirâmide, o
Estadual fica no meio e o Federal lá embaixo, mantendo o “teatrinho”. O próprio
IBAMA Federal vem se distanciando de questões ambientais específicas, muitas
vezes atuando somente quando requisitado por outros órgãos, e não de maneira
pró-ativa.
Os
nobres relatores não se atentam para o fato de que mesmo em áreas urbanas há
APP com funções extremamente significativas à manutenção da biodiversidade, se
não diretamente, também como verdadeiros oásis no meio do deserto, entre áreas
ainda preservadas (as sobreviventes). Além disso, é nas cidades que os
poluentes se concentram e onde qualquer vegetação ganha relevância redobrada,
onde a necessidade de áreas naturais é urgente, um verdadeiro caso de saúde
pública.
Quanto
à legislação que influencia o ambiente municipal em São Paulo, cito três Leis que
foram criadas recentemente, desprovidas de assistência técnica apropriada, mal
redigidas, e que possuem interesses ocultos negativos ao ambiente, a serem
permitidos ou propiciados pela redação das mesmas: Lei nº 15.442, de 9 de
setembro de 2011 do Vereador Domingos Dissei, Portaria nº 1233, de 28 de
dezembro de 2010, referente à Lei 10.365/87, do Prefeito Gilberto Kassab, e a Lei
15.470, de 27 de outubro de 2011, dos Vereadores Celso Jatene (PTB) e Dalton
Silvano (PV).
A
primeira, na prática, induz os munícipes e profissionais correlatos a
favorecerem o corte de vegetação arbórea quando esta causa algum dano ao
calçamento, mesmo quando a árvore não oferece risco de queda além do normal, e
existe solução técnica para mitigação da situação em harmonização do passeio
público com a árvore, principalmente através da aplicação de tecnologias
arquitetônicas e de engenharia, respeitando-se as orientações dos manuais de
arborização urbana. A Lei diz que o responsável ficará dispensado do
cumprimento da obrigação de reparo do calçamento até que o corte ou a supressão
seja providenciado pela Administração Municipal, nos termos da legislação
vigente, e que, a partir do corte ou supressão da espécie arbórea, o
responsável terá o prazo de 30 (trinta) dias para providenciar a regularização
do passeio público.
A
segunda interpreta e utiliza equivocadamente a Portaria 154/09-SVMA, que trata
das espécies invasoras. Considerar uma espécie localizada em uma caixa arbórea
como invasora é apenas um subterfúgio para se justificar uma remoção que é
guiada por outros propósitos. Pessoalmente acredito que uma árvore plantada
(por um ser humano), na forma de muda, em espaço restrito, que no caso em
questão não se reproduz de forma descontrolada, por propagação espontânea ou
prejudicial, não poderia ser considerada invasora. Há uma diferença entre
espécies exóticas, invasoras e “espécies invadindo”. Um Ficus elastica (Figueira
ou Falsa Seringueira), por exemplo, normalmente não se reproduz naturalmente no
Brasil. Como então considerá-lo invasora? O termo “vegetação invasora”
normalmente está vinculado aos ambientes rurais, fragmentos florestais ou
grandes extensões naturais. Em ambiente urbanizado, remover uma espécie dita
invasora, é usar de um artifício legal mal interpretado como amparo para uma
remoção normalmente motivada por outras causas (válidas ou não). Uma das poucas
espécies que acredito poder apresentar situação preocupante, mesmo em áreas de
praça urbana, canteiro central ou beira de córrego, é a Leucena (Leucaena
leucocephala), pela sua incrível capacidade reprodutiva e perenização
na área, impedindo o desenvolvimento de demais espécies. No entanto, se uma
muda de Leucena é plantada já bem formada em uma caixa arbórea, no passeio
viário, e não se apresenta próxima de áreas naturais, apesar de não recomendar
o plantio da espécie, não a enquadraria como invasora. Se ela disseminasse suas
sementes para uma praça, o controle de suas mudas faria parte da capina de
manutenção.
A
terceira Lei se trata de uma resposta pífia para o problema relacionado à
demora no trâmite de serviços relacionados às Áreas Verdes das Subprefeituras,
permitindo à Prefeitura a terceirização das vistorias arbóreas e emissão de
laudos técnicos. No entanto, o maior gargalo para boa execução dos serviços não
está no número de vistorias e laudos, visto que há inúmeros laudos publicados
armazenados em arquivos, na fila para execução, não raro perdendo a validade
(legal e prática, visto que a situação atual pode diferir em muito do laudo de
anos atrás). O gargalo principal está na falta de equipes treinadas e capazes
de boa técnica, além de sua configuração e falta de valorização, que ocorre nas
Áreas Verdes como um todo. Ou seja, com esta Lei estenderão ainda mais os
serviços à terceirização, sem reforços na fiscalização, abrindo mais portas
para imperícias técnicas e legais. E dessa forma, podem manter um preço baixo
para realização dos serviços dos Engenheiros Agrônomos, Florestais, e Biólogos,
já que o serviço fica aberto a todo mercado e aceita o valor quem estiver
disposto a tal.
Como
a legislação ambiental se reflete diretamente no espaço, contendo limites e
metragens, com a nova Lei se perde muito destes limites e metragens amparados.
Acredite: muito mesmo. Alguns estudos de caso abordados demonstram a proporção
de perda dos ecossistemas, para os quais é sempre bom lembrar, já foram
forçados à exaustão e atualmente se limitam à condição de “sobreviventes”, praticamente
ameaçados de extinção em um curto lapso temporal.
O
novo texto implica em grandes perdas, reproduzindo todas aquelas do projeto do
Deputado Federal Aldo Rebelo e, se não bastasse, adicionado de agravantes.
Comparar o texto do Senado com o da Câmara é um exercício equivocado e faz
parte da campanha muito bem arquitetada para desviar a atenção ou confundir.
Comparar estes textos é o mesmo que comparar o “péssimo” com o “péssimo plus”,
de maneira praticamente análoga ao que acontece quando comparamos os candidatos
elencados para as eleições. Só que desta vez a população não poderá nem mesmo
protestar anulando o voto (por mais ineficaz que a legislação eleitoral tenha
tornado esta prática).
Em
relação à “derrota” do governo em relação ao texto preferido, o Deputado
Federal Fernando Gabeira diz em seu blog: “O
governo dá a entender que foi derrotado e que não queria esse desfecho. O
governo também dá a entender que é contra a corrupção e está realizando uma
faxina. Tudo isso é calculado para manter altos os níveis de popularidade de
Dilma”. Confira na íntegra em:
A
imprensa chegou a vincular até mesmo charges de Dilma tombando derrotada, como
se fosse uma árvore sendo derrubada. Esta era exatamente a imagem que desejavam
transmitir, mas que se distancia da verdade nos bastidores, onde Dilma nunca
foi derrotada. A idéia de que o Governo perdeu e de que o veto de Dilma tem
poder de mudar alguma coisa faz parte de um teatrinho muito bem planejado e
ensaiado.
A
anistia é tão absurda que talvez tenha sido colocada propositadamente para
polarizar a questão sobre este tema, distraindo a opinião pública dos demais (e
ainda mais gritantes problemas que o texto possui). Aprovarem neste momento o
texto que na prática provê as piores condições possíveis ao ambiente talvez
seja só uma manobra para que a Presidenta vete uma ou outra questão, e assim
mesmo aprove um ainda péssimo Código "Florestal", ou que vete inteiramente
e, mais tarde, o texto retorne para nova apreciação, onde poderá ser aprovado
pelo Senado e Câmara, transformando o veto da Presidenta em uma mera opinião
que, ainda por cima, provê louros à sua imagem, agradando gregos e troianos,
mas não os ambientalistas antenados de verdade.
Provavelmente
a anistia será vetada por Dilma, o que poderá equivocadamente ser entendido
como um meio termo e alegrar alguns, no entanto, o novo Código continuará como
a atrocidade que coroa o estratagema de enfraquecimento do licenciamento
ambiental, o qual vem sendo colocado em prática há décadas (partição de órgãos,
diminuição de verbas, líderes vendidos politicamente, permissividade para
grandes impactos em Unidades de Conservação e Reservas Indígenas, órgãos com
estruturas tão diminutas que existem somente para constar, política do
“poluidor pagador” e do “cortador pagador”, “monetarização da natureza”, e
assim por diante...).
Sobre
como funciona o veto presidencial há particularidades pouco conhecidas pela
população. Se deixássemos todas as decisões ao crivo final de uma única pessoa
(o Presidente) estaríamos simulando um regime monárquico, ditatorial e
autoritário (e na verdade estamos, já que o correto seria a população
participar sempre através de Referendos e que a decisão da maioria
prevalecesse).
Depois
que determinada Lei é vetada pelo Presidente da nação, as normas exigem que o Presidente
do Congresso e do Senado Federal, no caso o Sr. José Sarney (de 1995 a 1997,
2003 a 2005, de 2009 a 2011 e de 2011 até a atualidade), promova uma apreciação
sobre o veto aos membros da Casa, que após reuniões (sessão conjunta e
apreciação dos vetos) podem votar novamente a questão e, caso tenham maioria
dos votos (50% + 1), na prática “o veto presidencial é vetado”. No entanto,
José Sarney vem adiando e congelando muitos dos vetos presidenciais, não os
expondo à apreciação, ou seja, mantendo o Presidente com maior poder de
decisão, para o bem e para o mal (este último na maioria dos casos).
Um
dos grandes temores dos ruralistas é o de que Sarney “congele” também o veto
presidencial sobre a Lei que altera o Código Florestal. No entanto, a meu ver é
um temor infundado ou encenado, já que normalmente as decisões visando o “progresso
inconsequente” são sempre favorecidas, e que o esquema explicado se presta
perfeitamente a ambos os lados. Veja como: Dilma veta a Lei (parcial ou
totalmente, não importa) antes do evento “Rio + 20” e ganha popularidade com os
milhões de brasileiros que gritaram, escreveram, imprimiram e exibiram “VETA
DILMA” ou mais apropriadamente “VETA TUDO DILMA”, então, depois de algum tempo,
após o “Rio + 20”, o assunto é colocado à apreciação do Senado e Câmara, que
por sua vez vota em maioria a favor da Lei (perceba que na primeira votação
eles tiveram quase 60% de aprovação), anulando o veto de Dilma, que passa a ser
considerado somente uma opinião da Presidenta, por sua vez favorável à sua
imagem frente à opinião pública.
Quando
o veto da Presidenta volta, ele pode ser derrubado por “maioria absoluta”. Na
votação que aprovou o texto havia 458 deputados presentes em plenário. Ou seja,
55 deputados (são 513, no total), faltaram ao trabalho. A maioria simples é
calculada em cima dos que apareceram para trabalhar: 230. Já a maioria absoluta
é calculada em cima do total de votos possíveis se todos os deputados tivessem
comparecido: 257. Outra diferença é que o Congresso - e não suas duas casas
(Câmara e Senado) - analisará o veto. Isso significa que as duas casas agem em
conjunto e não de forma independentes. Cada cabeça um voto. E a votação é
secreta. Mais informações em:
Apesar
da mudança de “maioria simples” para “maioria absoluta”, na realidade, derrubar
o veto não é tão difícil quanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe
Vargas, afirmou, ao considerar o resultado da votação do Código Florestal na
Câmara dos Deputados. Para derrubar um possível veto da Presidenta, é preciso
maioria absoluta tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, ou
seja, o aval de 257 deputados e 41 senadores. O texto do relator Paulo Piau
(PMDB-MG) foi aprovado por 274 votos a 184 na Câmara dos Deputados. Considerando
os Senadores (81), a maioria absoluta de 594 são 298 votos. Esse é o número
necessário para derrubar o veto. No caso da Lei que altera o Código Florestal,
ela foi aprovada por 274 votos na Câmara e 59 no Senado, o que resulta em um
total de 333 votos. Ou seja, o texto já “ganhou” com os Deputados e com os
Senadores. Se quem votou a favor na aprovação original aparecer para votar pela
derrubada do veto (e continuar votando da mesma forma), os eventuais vetos da Presidente
poderão ser facilmente derrubados.
O
Congresso decidir novamente pela aprovação do texto não afeta em nada a imagem
já totalmente destituída de caráter e seriedade que a Casa exibe frente à
opinião pública e, ainda por cima, tal decisão será defendida como democrática,
da maioria parlamentar. E aí está outro truque: Onde está a maioria da
população sendo representada em uma Democracia verdadeira?
Normalmente
se alega que deixar apenas o Presidente decidir seja autoritário. Concordo. E
deixar somente o Senado e a Câmara decidir, o que é? O mesmo autoritarismo, mas
dividido em quase 600 cabeças (com o agravante de estarem influenciadas
diretamente por dinheiro e poder de algumas Corporações) quando na realidade,
temos quase 200 milhões de pessoas nesta nação. Provavelmente argumentarão que
o povo votou neles e que isso é Democracia. Bem, mas o povo também votou na
Dilma. Um Referendo seria o mais apropriado. Autoritarismo mesmo é alterar uma
Lei sob forte influência dos interesses de grandes empresas e latifundiários.
O
acesso da população ao texto final aprovado que foi enviado para Presidenta
ocorreu de forma tardia, até porque o texto final recebeu alterações nas
últimas horas de sua aprovação. Não só não temos tendência à realização de um Referendo,
como nenhum cidadão pôde acessar o que de fato estava sendo aprovado. O que
sabíamos sobre o texto final se embasava no acompanhamento quase que
investigativo realizado por profissionais que puderam comparecer às reuniões
relativas ao assunto e mesmo à votação em Brasília.
Há
um site (blog do Eng. Agrônomo Ciro Siqueira) que, apesar de explicar bem sua
posição oficial, na prática defende ardorosamente as mudanças no Código
Florestal, chama os contrários ao texto de “ecotalibãs”, pinta Marina Silva
como o “Tio Sam”, simplifica a posição contrária como “imperialista
norte-americana e europeia”, promove a união dos “atingidos pelo meio ambiente”,
e ensina a como “vetar o veto”:
O
blog diz: “Esse é um passo fundamental.
Se o Presidente do Congresso não convocar a sessão de conhecimento dos vetos, o
prazo de 30 dias jamais iniciará e os vetos podem não ser apreciados nunca. Há
mais de 900 vetos do Executivo aguardando deliberação do Congresso porque a tal
sessão de conhecimento jamais foi convocada”.
“Se conseguirmos que o Presidente do
Congresso convoque a tal sessão de conhecimento, o(s) veto(s) será(ão)
apreciado(s) em sessão conjunta no prazo máximo de 30 dias. Sessão conjunta
significa que Deputados e Senadores estarão reunidos em Plenário, mas os votos
serão separados, primeiro Câmara, depois Senado. Para derrubar o veto, será
necessário que a maioria absoluta, metade mais um, de cada Casa (257 Deputados
e 41 Senadores) votem pela rejeição. O voto será SECRETO. Mantido ou derrubado
o veto, o projeto volta para a Presidência da República para promulgação”.
“Em todas as votações pelas quais passou nos
plenários da Câmara e do Senado o texto de reforma do Código Florestal teve
mais de 257 votos na Câmara e mais de 41 votos no Senado. Ou seja, temos votos
para derrubar qualquer veto da Presidente Dilma. A grande questão é se teremos
força para "convencer" o Presidente do Congresso Nacional a convocar
a sessão conjunta para conhecimento dos eventuais vetos”.
Quanto
ao emprego da denominação “ecotalibãs” pelo blog: sei muito bem que existem
extremistas na defesa de quaisquer causas, ideologias, visões, etc., mas dizer
que as pessoas que são contra as mudanças apresentadas para o Código Florestal
são extremistas é que é extremo ou radical. É muito fácil se defender colocando
as pessoas que são contra dentro de um único "balaio estereotipado".
Pedir para o Presidente o veto de determinada questão é extremo? Argumentar
tecnicamente sobre cada ponto apresentado pela Lei que altera o Código
Florestal e concluir o "óbvio ululante" de que ele é danoso ao
ambiente é extremo? Conectar os pontos e perceber que a Lei foi financiada
direta e indiretamente por grandes empresas do denominado "Agribusiness"
é extremo?
Bem,
extrema é a vergonha que sinto de pessoas de certo intelecto o utilizarem para
defender interesses pessoais e egoístas relacionados a seu ramo de atuação e,
ainda por cima, usarem de termos pejorativos e adjetivos que simplificam e
polarizam a questão, como "máfia verde", "ecotalibãs",
"imperialistas norte americanos", dentre outros. Uma coisa é errar
por ignorância, outra é conhecer e usar do conhecimento para favorecer uma
questão danosa ao ambiente e sociedade simplesmente porque ela é de interesse
pessoal (lucro, prestígio, poder).
No
fim das contas, e de forma simplificada, a origem disso talvez seja uma
profunda "inveja" do PIB da China, bem como a idéia de que os países
de primeiro mundo tiveram a vez deles e agora é a nossa. Os defensores do
progresso irresponsável acreditam de forma simplista que os outros países usam
da proteção ambiental para colocar amarras em nosso desenvolvimento. Como se o
próprio Governo, com sua tributação abusiva, seus serviços de péssima
qualidade, sua corrupção que desvia enormes quantias de dinheiro público para
poucos bolsos, a importação de todos os melhores produtos do país para fora por
preços muito inferiores ao que pagamos em equivalentes de muito pior qualidade,
dentre outros inúmeros fatores, não fosse amarra suficiente e mais significativa
do que a proteção do ambiente como breque ao desenvolvimento.
E é
claro, há o conceito de propriedade, onde muitos entendem que “Na MINHA propriedade faço o que quiser”.
Trata-se da prepotência humana tão bem caracterizada na narração de Carl Sagan
em vídeo baseado em sua obra literária “O Pálido Ponto Azul”: “Pense nos rios de sangue derramados por
todos estes generais e imperadores para que, em glória e triunfo, eles pudessem
ser os chefes momentâneos de uma fração de um ponto”. Segue o link para este
belíssimo vídeo com cerca de seis minutos:
Até
hoje não observei um único caso onde alguém foi “impactado pelo meio ambiente”
e este alguém não estivesse extremamente equivocado, não só em relação à
importância da variável ambiental, mas também em relação a como gerenciar uma
produção, negócio ou empresa, do ponto de vista da eficiência, logística, e
outros fatores importantes na variável econômica.
Do
mesmo modo que, durante meu trabalho na Subprefeitura Ipiranga, tantas vezes
ouvi de munícipes que as causas de todas as mazelas e infortúnios da vida se
deviam à árvore na calçada, os produtores rurais tendem a culpar o fragmento
florestal. No Tocantins conheci proprietários que ainda hoje contratam
caçadores para acabar com as onças que devoram o gado... O “meio ambiente” é um
bom vilão para os ruralistas colocarem a culpa de suas falhas. O “bicho papão”
do século.
A
justificativa de que a preservação de porções do ambiente natural atrapalha a
Agricultura se trata de um grande contra senso científico. Os empreendedores
trabalham e divulgam a imagem de um país tomado por reservas indígenas,
unidades de conservação, parques, que atrapalham o progresso. Bem, quem dera
existisse de fato esta imagem... Dizer que não há área disponível para o
plantio é outro absurdo. Engraçado como a Agricultura gosta de levantar a
bandeira do avanço tecnológico e, ao assumir que não há terras produtivas,
assume sua incapacidade em trabalhar vastidões de terras depauperadas (pela
própria agricultura). Mas é claro, ainda há terra boa na nação, que poderia ser
trabalhada dentro de um modelo de agricultura realmente pequeno, familiar,
menos impactante, de preferência sob os moldes da agricultura orgânica, que
valorize diretamente o produtor, porém, não é de interesse de supermercados e
intermediadores, grandes empresas que arrendam terras, que criam vínculos para
produção consorciada com o produtor (que só sugam quem mais trabalhou, não
dividindo os lucros de forma justa), enfim, para os que mais “engordam sem
trabalhar”.
Apesar
de o Governo falar em nome dos “pequenos” e “familiares”, na realidade está
falando em nome de algumas Corporações relacionadas ao negócio rural e ao empreendedorismo
que abusa dos recursos naturais, bem como dos grandes proprietários que foram
convenientemente encolhidos, não só pela adoção dos quatro módulos fiscais, mas
também pela ausência de mecanismos que os impeçam de subdividir as terras em
lotes ou propriedades menores, e assim não se sujeitarem a restrições
ambientais que caberiam legalmente ao caso.
As
influências das Corporações no modo de governar são ilustradas no brilhante
documentário “The Corporation” de
Mark Achbar, cujas relações exibidas entre Corporações e o Governo infelizmente
não se limitam aos Estados Unidos, pois na realidade são tão “multinacionais”
quanto as próprias empresas. Da mesma forma que empresas “patrocinaram” esta
Lei que altera o Código Florestal, também o lobby do mercado imobiliário
patrocinou Leis relacionadas ao urbanismo, como a de Concessão Urbanística, em
uso recente pelo Projeto “Nova Luz” em São Paulo. Minhas impressões sobre a
Audiência Pública para o Projeto Nova Luz podem ser conferidas no link a
seguir, mediante acesso ao Facebook:
No
caso da Bancada Ruralista que alterou o Código, foram mais de 20 milhões de reais
em doações (declaradas) às campanhas dos Deputados: Suzano Papel e Celulose,
Cosan (açúcar e etanol), ArcelorMittal (líder em valor doado – R$ 1.595.000),
Fibria (união da Aracruz e Votorantim Papel e Celulose - vice-líder de doação
em valor financeiro), Usina Coruripe (açúcar e etanol), Bunge (“Bunge
Fertilizantes” é a que mais vezes aparece nas declarações dos deputados da
bancada), Usina Caeté, Usina Naviraí, CMPC Celulose, Klabin (papel), Caemi
Mineração (Vale do Rio Doce), dentre outras. A transnacional Vale e a Samarco
Mineração, ao contrário dos anos anteriores, não aparecem diretamente no
balanço do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outras
empresas atuaram no passado, e muito possivelmente continuam atuando
clandestinamente (por trás de outras empresas, ou apenas de maneira “informal”).
As grandes empresas que representam o Agronegócio mundial, e que atuam
fortemente no Brasil (além das citadas acima) são as maiores suspeitas: Bunge
Alimentos, Cargill, Souza Cruz, JBS Brasil, BRF, Sadia, Unilever, ADM,
Coopersucar, Nestlé, Basf, Louis Dreyfus, Case New Holland, Kraft Foods, Coamo,
Marfrig, Bayer, Pepsico do Brasil, Heringer, DuPont, Syngenta, Duratex,
Frigorífico Minerva, Seara, Amaggi, Aurora Alimentos, Sotreq, C. Vale, Caterpillar,
LDC Bioenergia, Itambé, Garoto, Mosaic, Caramuru Alimentos, Granol,
Ultrafertil, Noble Brasil, Yara, Cooxupé, International Paper, Parmalat e Monsanto
(ligada diretamente a aprovação polêmica, vergonhosa e controversa dos
transgênicos no país em 2005).
A
Bunge Fertilizantes também se manifestou sobre as doações citadas. Em nota, a
empresa defendeu que não há nenhuma ilegalidade no fato, pois “o sistema
político brasileiro prevê o financiamento privado das campanhas”. Porém, a
doadora também admite que escolhe políticos com mesma linha de pensamento da
empresa, mas desmente que, nestas eleições, tenha financiado campanhas “em
função de questões ou de projetos específicos”. Bem, tirem suas próprias
conclusões.
Mas
a bancada ruralista não se restringe a desarticular a proteção ao ambiente,
também se esforça para impedir o efetivo combate ao trabalho escravo nas
fazendas: “Uma tese de doutorado
defendida na USP pelo cientista político Leonardo Sakamotto estabeleceria uma
relação entre a morosidade na apreciação dos projetos antiescravagistas e as
doações de campanha eleitoral. Segundo ele, empresas agropecuárias acusadas de
utilizar trabalho escravo, seus donos e parentes fizeram doações nas eleições
de 2002 e 2004 que ajudaram a eleger dois governadores, cinco deputados federais,
três deputados estaduais, três prefeitos e um vereador. Ele apontou ainda três
deputados federais, um estadual e três prefeitos entre proprietários ou
parentes de donos de fazendas autuadas por suposto trabalho escravo”.
Empreendedores
adoram exteriorizar os danos, e adoram a hipocrisia relacionada à
exteriorização, que lhes rende embalagem atrativa, uma verdadeira “eco bag”. De que adianta, por exemplo, o
Canadá proibir a utilização de amianto e ser o segundo maior produtor, e maior
exportador deste material para outros países?
Há
muitos que, com a prerrogativa do progresso, não só acreditam como se esforçam
para que as Corporações decidam os rumos da nação. Que progresso é este? A que
custo? Há grandes diferenças entre aumentar o “poder de endividamento da
população” e aumentar o “poder de consumo”. Além disso, o consumo mais
fomentado é o do tipo irresponsável, que exerce pressões em demasia sobre o
meio e não reflete em valorização social. Alguém realmente acredita que Corporações
possuem causas nobres além de almejar lucro a qualquer custo? Mesmo que este
lucro signifique desmantelar uma empresa e mandar seus fiéis funcionários para
“as cucuias”?
Muitas
grandes empresas nem mesmo pagam impostos da forma que um “reles mortal” é
obrigado a fazer. Muito bem assessorados por seus advogados, deixam a dívida
acumular durante anos para depois negociá-la por valores inferiores a um terço
do original, e sem juros.
Muitos
acham que o Brasil está "decolando"... Pessoalmente acredito que
estamos sendo "ejetados", e pior, sem "paraquedas".
Recomendo
o documentário “Roger e Eu”, que mostra a falência da cidade inteira de Flint
(Michigan – EUA), quando o dono da “General Motors” decide mudar a fábrica para
o México, onde a mão de obra era mais barata e as exigências ambientais
praticamente inexistentes (uma tendência na economia moderna, vide o fenômeno “made in China”). O filme “Nação Fast
Food” aborda o mesmo problema, relacionado à indústria alimentícia de uma rede
de fast food muito conhecida “McMundialmente”. O documentário “Wal-Mart – O
Alto Custo do Preço Baixo” mostra o custo não computado na exteriorização de
problemas. O filme “Wall Street - Poder e Cobiça” de 1987 mostra como empresas
podem funcionar como verdadeiras fichas de Poker em um grande jogo de “figurões”,
onde o prazer está mais em jogar do que em ganhar, já que dinheiro não falta
pra estes jogadores, e eles se divertem pagando o “minimum bet” para este Poker de altas consequências para
humanidade.
Anteriormente
escrevi que o Governo não se utiliza do conhecimento acadêmico. Bem, essa é uma
meia verdade, pois o verdadeiro “Governo Corporativo” não o ignora, pelo
contrário, se apropria indevidamente dele em prol de seus interesses de
mercado.
A
maior parte das Universidades se tornaram (com exceção de alguns setores e
professores ainda na resistência) extensões do quintal de Corporações, que usam
do meio acadêmico para testar e aprovar seus produtos. Os professores
orientadores das pesquisas e os alunos estagiários (graduandos, mestrandos e
doutorandos) ganham mais trabalhos para publicação no Currículo Lattes, além de
bolsas em valor financeiro. Em troca das “esmolas” providas pela Corporação, o
patrimônio público (também o imaterial) é utilizado para pesquisas que, não só
têm seu resultado influenciado pelos interesses das empresas, como geralmente
geram um “selo” da Universidade, direta ou indiretamente certificando
determinado produto. Para os setores de pesquisa das Universidades não convém
contrariar os interesses mercadológicos das pesquisas, uma vez que muita
contrariedade pode significar o cancelamento da verba.
Além
disso, os professores pesquisadores muitas vezes atuam em consultorias privadas
(muito lucrativas) para estas Corporações, defendendo o ponto de vista desejado
no momento, com trabalhos científicos e conclusões distorcidas. Presenciei
reuniões onde o objetivo era reescrever trechos de forma a reforçar a intenção
do empreendedor, e depois, coletar a assinatura do renomado professor, um verdadeiro
“pop star” ou sumidade científica, às vezes com livros acadêmicos publicados, gerando
pareceres que dificilmente seriam contrariados pelo órgão licenciador.
As
Universidades ainda vêm participando de licitações para determinados serviços,
como “levantamento florístico”, “levantamento da ictiofauna”, etc., tanto na
confecção de EIA / RIMA, quando na execução dos Programas Ambientais, onde há
concorrência desleal, visto que a mão de obra geralmente é composta por
estagiários que enxergam no serviço uma oportunidade de aprendizado. Para o
empreendedor é “duas vezes bom”: ganham a notoriedade da universidade (logotipo
impresso nos relatórios), e pelo melhor preço do mercado (que empresa com
funcionários na carteira consegue concorrer com estagiários sem registro?).
O
conhecimento científico, quando não “mofa” nas prateleiras das bibliotecas,
geralmente se torna uma “patente” (obtida de forma bem barata) para uma empresa
lucrar, muitas vezes não se revertendo em melhoria social, e sim reforçando o
monopólio, as opressões e a desigualdade social. Muitos cientistas e inventores
padecem do mesmo mal dos “autores”, cujos “direitos autorais” são de uma
editora, estúdio, gravadora, etc., ou seja, uma empresa que geralmente já está
consolidada no ramo e se aproveita de autores e pesquisadores “Zé Ninguém”.
Aparentemente
o Poder Público tem uma grande afinidade com diagnósticos, pois custam caro,
exigem a contratação de terceiros, o que abre portas para ganhos ilícitos,
geram folders e comerciais “bonitinhos” e demoram um bom tempo para serem
concluídos, sendo também uma resposta que normalmente a impressa engole bem. O
Brasil possui boas Universidades e órgãos competentes na realização de
diagnósticos (até mesmo a medicina diagnóstica é a que mais avançou por aqui),
porém, usar os próprios diagnósticos para “empurrar com a barriga” as ações
necessárias, e ainda lucrar com isso, deveria ser considerado crime. Não tiro o
mérito dos diagnósticos e sua importância, mas a verdade é que em geral, os
diagnósticos revelam o que todos já sabemos, “ensinando o padre a rezar”,
principalmente porque já temos uma boa noção, de décadas de trabalho e
problemas enfrentados na área, que definem quais são as ações urgentes e
necessárias. Como exemplo, cito o caso do “Inventário Municipal de Emissões e
Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa”, que é um trabalho bacana, mas
cujos resultados não são usados como base para ações realmente efetivas, onde
na realidade, as poucas ações tomadas independem dos resultados. Ninguém
precisa confirmar mais uma vez que o transporte é um dos principais
contribuintes com a geração de gases para se investir em tecnologias menos
impactantes. Da mesma forma, ninguém precisa afirmar que há vinte mil tocos
para serem destocados e que o plantio não está sendo feito a contento e na
quantidade necessária para sabermos que precisamos de uma equipe específica
para destoca e plantio.
Não
existe a dicotomia criada de forma inteligente pelos ruralistas: “ou se conserva/preserva
ou se produz alimentos”. A produção de alimentos é compatível com a preservação
do meio quando técnicas adequadas são aplicadas a cada caso, sendo que a
própria preservação é pré-requisito para que a produção seja viável ao longo do
tempo. A aptidão natural das terras e o zoneamento agrícola são fatores
importantes a serem considerados, por exemplo.
A
revista “Visão Agrícola” de abril de 2012 traz matéria de autoria de André
Meloni Nassar e Laura Barcellos Antoniazzi, denominada “Reforma do Código
Florestal: uma visão equilibrada”. A matéria cita como ponto negativo da
legislação atual a necessidade de recomposição dentro da mesma bacia, assumindo
que tal requisito levaria à diminuição da área produtiva, acarretando perdas
econômicas para os consumidores e para as regiões que dependem exclusivamente
de atividades agrícolas. E chega ao cúmulo de defender as alterações no sentido
de prevenir um deslocamento da área produtiva... Fala ainda que o código atual
oferece insegurança jurídica aos produtores, e assumem que a realização do
cadastro ambiental rural é impraticável sem a reforma da legislação (como se a
realização de um diagnóstico ou cadastro não pudesse ser efetivada
independentemente de qualquer alteração ou reforma na Lei). Argumentam que não é interessante o
cadastramento mantendo-se o Código Florestal atual, pois originaria sanções aos
proprietários que desrespeitam o ambiente. Que belo argumento... Equivalente a
acabar com o crime para que os criminosos não tenham medo de se identificar... Visão
equilibrada? A trilha desta matéria deveria ser a de “Koyaanisqatsi”...
Considerando
o número de perdas que temos em processos produtivos que não investem em
aspectos básicos relacionados à colheita, transporte e armazenamento, falar em
aumento de produção com novas tecnologias serve apenas a estas novas
tecnologias em si, e a todos que ganham com elas.
Aparentemente
estamos mirando muito mal o problema. Escolhemos usar uma tecnologia perigosa
como a transgenia em nome de um aumento na produtividade por volta de 5%,
quando perdemos até 70% de certos alimentos com transporte a armazenamento.
Onde seria mais seguro, racional e eficaz investir?
Qualquer
tecnologia que se revista do slogan “vamos matar a fome do mundo” é hipócrita
enquanto alimentos forem desperdiçados e mal distribuídos, bem como é hipócrita
esta nova Lei, que se reveste de falsa proteção ao pequeno agricultor e de
pretenso aumento na produção de alimentos. De forma alguma as alterações no
Código Florestal podem resolver a questão fundiária, a reforma agrária, a
política agrícola, etc., como alguns textos supõem.
A
aplicação desta nova Lei, ou mesmo sua mera existência, na prática prejudicará
os serviços ecossistêmicos e a própria Agricultura, a qual depende direta e
indiretamente deles (em relação à água, cerca de 70% do consumo é destinado à
Agricultura). Só faria sentido se esta Lei for parte dos planos de lançamento
dos transgênicos que dependam de menos água, graças à inserção do gene
“cactos”...
Áreas
de Preservação Permanente nitidamente possuem função econômica, porém, são de
tamanha complexidade e preciosidade, que não é recomendável as valorar
financeiramente, afinal, como diz o comercial: “há coisas que o dinheiro não
paga”, porém, na falta de recursos naturais, nem o cartão vai resolver...
Obviamente
que é possível aumentar a produção com utilização de tecnologias (e não precisa
ser nada high-tech, pois nossa
produção muitas vezes beira a medieval, enfeitada como moderna através do uso
de agrotóxicos e máquinas agrícolas) e com a diminuição de perdas, sem, para
tanto, diminuir as áreas de preservação, pelo contrário, aumentado-as.
Enfim,
as mudanças propostas partiram de uma propaganda enganosa, que se reveste de
causa socioambiental e na realidade interessa realmente a poucos, que
infelizmente enxergam na agroecologia e preservação ambiental um inimigo à
geração de lucro, ao invés de um aliado às condições de vida neste Planeta.
Seguir
na direção desta nova Lei é o mesmo que dar vazão à ampliação do materialismo,
reforçando nossa “origem civilizatória romana”.
Vivenciamos
atualmente o reflexo de visões fragmentadas, que não mais conseguem enxergar a
complexidade de interações, almejando o todo. A visão integrante e abrangente
está em retrocesso.
A
especialização requerida pelo mercado de trabalho faz parte deste retrocesso,
pois não é acompanhada do “ligar os pontinhos”. Setores dentro de uma mesma
Universidade não conversam entre si. E o abismo entre quem gera conhecimento
(ainda que fragmentado) e quem faz a gestão, torna-se incomensurável.
O
rumo reforçado pela alteração do Código Florestal influenciará diretamente na
aceleração do processo de esgotamento de recursos naturais, na queda de
produtividade futura, irreversível em curto prazo, em aumento dos preços, perda
na qualidade dos alimentos, e diminuição da segurança alimentar (cada vez mais
valerá de tudo para se obter um produto, e menos criteriosos os consumidores
serão obrigados a se tornar).
Trata-se
praticamente de uma “Nova Revolução Verde”, ainda mais irresponsável e com
tecnologias muito mais perigosas que tratores, sementes híbridas e adubos.
1 - Modelo
agrícola que prioriza o monocultivo e favorece o monopólio, alicerçado
fortemente em recursos finitos (principalmente petróleo, agrotóxicos, fosfato e
outros adubos minerais), de alta demanda energética, extremamente poluidores,
impactantes e geradores de resíduos. Um modelo frágil e susceptível a enormes perdas,
em reação a pequenas alterações no meio ambiental ou econômico. Em analogia, é
como o país inteiro deixar de ser abastecido em energia elétrica por conta de “um
único cabo” comprometido em Itaipú (18 Estados foram atingidos em 2009 e 10
Estados em 2011).
2 –
Agrotóxicos
3 –
Transgênicos
4 –
Falsa sustentabilidade: uso inapropriado e inconsequente de adjetivos como: eco,
eco friendly, ecológico, verde, sustentável, etc.
5 –
Legislação falha e enfraquecida
6 – Inexistência
de fiscalização e proteção ambiental eficaz (órgãos diminutos e comprometidos).
Em
minha formatura no ano de 2004, além de contar com a presença do ex-presidente
Lula, recebi o canudo do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, um dos
ministros mais "longevos" do governo Lula, tendo entrado no governo
em 2003. Foi escolhido por Lula por seus vínculos com o setor de agronegócio e
com o cooperativismo. O Sr. Roberto Rodrigues foi o “cabeça” por trás da
aprovação dos transgênicos no país, em uma condição vergonhosa para nação,
configurando mais um exemplo que colabora com o fato do nosso Governo estar
sendo na realidade regido por Corporações.
Na
época Lula chegou a dizer que “Soja boa a
gente come, a transgênica fazemos biodiesel”. O Rio Grande do Sul é o
principal Estado produtor de soja transgênica. Em 2005 uma reportagem dizia que
“Entidades de classe no setor agrícola
gaúcho estimam que cerca de 90 por cento da área de soja do Estado foi
cultivada no ano passado com soja transgênica, com grãos que foram
multiplicados ilegalmente a partir de sementes contrabandeadas da Argentina nos
últimos anos”, que “O plantio de soja
transgênica foi autorizado com a aprovação da nova Lei de biossegurança, sob
protestos de grupos ambientalistas e de defesa do consumidor. Estes grupos
também exigem que alimentos produzidos a partir de soja transgênica sejam
rotulados como tal, o que ainda não tem ocorrido no Brasil, apesar de existir
legislação neste sentido”, e que “O governo também já aprovou o plantio de
algodão geneticamente modificado, assim como a importação de milho transgênico
para produção de ração animal”.
Até
hoje os produtos não são rotulados. Atualmente comemos não só a soja, mas
também milho, girassol e até mesmo trigo, todos transgênicos, incorporados de
forma massiva na indústria alimentícia brasileira. A Monsanto é a principal
responsável pelo desenvolvimento, venda e monopólio das variedades
transgênicas. Quanto ao milho: “ratos
alimentados com uma dieta rica em milho geneticamente modificado desenvolveram
anormalidades em seus órgãos internos e alterações em seu sangue, segundo um
estudo”. Hoje temos vários estudos comprovando que o milho transgênico
causa distúrbios fisiológicos relacionados principalmente ao funcionamento dos
rins e fígado.
Em
2005 Fernando Gabeira escreveu um texto esclarecedor sobre a aprovação dos
transgênicos:
“O programa de governo previa uma
moratória na plantação de transgênicos no Brasil até que se concluíssem os
estudos sobre sua repercussão no meio ambiente e saúde humana. A Constituição
previa que medida desse tipo, liberação de transgênicos no ecossistema, só
poderia se realizar depois de um estudo de impacto ambiental”.
“As sementes, contrabandeadas da Argentina,
davam a vitória à multinacional Monsanto, que já estava dentro do país, lutando
para dominar o mercado, não apenas com suas sementes, mas também com seu
defensivo, a base de glifosato”.
“Sem estudo de impacto ambiental, sem
sequer levar à prática a diretiva, aprovada no Parlamento, de rotular os
produtos geneticamente modificados, o Brasil entrou numa nova e incerta fase.
Tanto os produtores de soja convencional como os de soja orgânica temiam pela
contaminação de seus produtos. Um estado brasileiro, o Paraná, chegou a se
declarar livre de produtos geneticamente modificados, impedindo que
transitassem pelo seu porto”.
“Lula conhecia a delicadeza do tema. Ele
o discutiu inúmeras vezes, não apenas com ecologistas, mas também com o
Movimento dos Sem Terra. Ele conhecia tão bem a dimensão do seu recuo que
resolveu sair do país no momento em que a medida provisória seria assinada.
Desta forma, a responsabilidade oficial pela medida ficou com o Vice-Presidente
da República, José de Alencar. Industrial do ramo têxtil, José de Alencar
afirmou que se sentia um pobre homem do interior tendo de decidir um tema de
tal complexidade”.
“Meses depois, pressionando um Congresso
bastante flexível à sua orientação, o governo aprovou uma Lei de biossegurança
que garante a entrada dos produtos geneticamente modificados, desde que
examinados por uma comissão de cientistas, de um modo geral, simpática à
engenharia genética”.
“Para aprovar a plantação de
transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto de Lei a aprovação de
pesquisas científicas com células tronco, mobilizando centenas de portadores de
doenças graves, esperançosos de uma cura pela genética. O debate acabou sendo
polarizado em torno das pesquisas com células tronco, algo distinto de
alimentos geneticamente modificados. A oposição à pesquisa com células tronco
estava limitada a alguns grupos religiosos, católicos e evangélicos, assim
mesmo os mais radicais”.
As
alterações nos critérios impostas pela nova Lei provocam enorme retrocesso
ambiental. Trata-se de uma verdadeira remoção sumária de mecanismos de proteção
que geram uma perda evidente, tanto em relação à anistia quanto principalmente
em relação à própria mudança de critérios.
A
nova Lei na prática é mais um exemplo de ganância e avidez sem igual. No Estado
de São Paulo, a cobertura florestal natural caiu de 82% por volta de 1850 para
10% no ano 2000. No Estado do Paraná, em 1890 tínhamos 98,32% de cobertura e em
2000, apenas 7,59%. Da mesma maneira, ocorreu no Sul da Bahia, de 1945 até
1990, onde sobrou apenas porção ínfima da original. O mesmo modelo pode ser
visualizado na maioria dos estados do país. Acompanhar as imagens que indicam a
cobertura florestal na linha do tempo é assustador.
Com
base no conhecimento científico, as faixas determinadas pelo Código Florestal
de 1965 são consideradas mínimas e deveriam ser ampliadas. Sobraram tão poucas
áreas preservadas no Estado de São Paulo que o Projeto Biota da FAPESP concluiu
que tudo que sobrou deveria ser preservado.
A
defesa das APP não pode ser fundamentada em apenas uma função ecológica
qualquer, pois para este tipo de argumento isolado sempre haverá alguma solução
ou alternativa tecnológica específica, que desconsidera a complexidade dos
ambientes naturais e suas interações entre fauna, flora e manutenção dos
recursos naturais.
Não
há tecnologia capaz de emular ou compensar o conjunto complexo de funções que
exercem as áreas sensíveis ambientalmente e as APP, que além de sua importância
intrínseca, visam proteger estas mesmas áreas sensíveis. Os entusiastas
prepotentes da dominância humana sobre o Planeta tendem a enxergar fatores em
isolado e soluções tecnológicas do tipo “bala única”, geralmente pouco efetivas
e geradoras de grandes efeitos colaterais.
As
diretrizes de gestão territorial deveriam funcionar em prol da qualidade de
vida, porém, com o enfraquecimento da legislação ambiental e remoção de
mecanismos de proteção, como população estamos sendo vítimas de um “estelionato
ambiental”. Na remediação está alicerçado o “modus operandi” do Governo, que draga vorazmente os cofres
públicos, mas não draga com tamanha eficiência os corpos d’água, pelo
contrário, contribui para o assoreamento e a criação de uma situação que gera
lucro interminável para as empresas que trabalham com isso e os “parasitas” de
plantão.
Tal
tipo de revisão da legislação, e o enfraquecimento da legislação ambiental em
geral, se caracterizam como afronta e desrespeito ao meio acadêmico (à educação,
não só universitária, mas em sua totalidade, começando com bebês e seus brinquedos
cognitivos), a todos os profissionais e cientistas sociais que possuam de fato
algum caráter.
É
fato inconteste, para os bons profissionais ambientais (competentes e honestos)
que trabalham com as Leis, de que a distância entre ciência e Lei está
aumentando, e de que já alcançamos um distanciamento extremamente perigoso.
A
SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira
de Ciências) foram ignoradas quando apresentaram os pontos para auxiliar os
Senhores Senadores e Senhoras Senadoras na apreciação da matéria atentando para
o que precisa ser revisto, através de documento muito bem escrito e munido de
vastas referências bibliográficas, datado de outubro de 2011, e ainda se
prontificaram a permanecer à disposição para colaborações:
“A SBPC
e a ABC representadas pelo Grupo de Trabalho (GT) do Código Florestal comunicam
aos Senhores Senadoras e Senadoras que continuam à disposição no intuito de
colaborar com fundamentação científica e tecnológica na formulação de um
instrumento legal que possa representar os anseios da sociedade brasileira com
sustentabilidade econômica, social e ambiental”.
Exigir
que bons profissionais considerem esta Lei é o mesmo que condená-los a noites
mal dormidas e crises de consciência (caso tenha sobrado alguma).
Como
profissional atuando na área ambiental, e como cidadão, recuso-me
terminantemente a considerar uma Lei como a que se apresenta. Acredito que
acatar e colocar em prática tal Lei é o equivalente a, não somente se infligir
uma lobotomia, mas também apunhalar o próprio coração. Já sofri e chorei
diversas vezes por conta da situação ambiental neste país e Planeta. Quanto
mais, e quantos mais, terão de sofrer? Quantas gerações? Talvez a resposta
seja: quantas um Planeta com líderes irresponsáveis e recursos cada vez mais
escassos conseguir abrigar.
Todos
os casos de infrações ambientais que trabalhei até o momento deixariam de
existir com base na nova Lei. Não defendo a desconsideração da mesma por conta
da manutenção do meu emprego, de forma alguma. Espero que tenha ficado claro em
meu texto que as motivações se baseiam em uma preocupação com este Planeta, com
as condições para qualidade de vida, e com a sobrevivência das espécies,
inclusive a nossa. Preferiria muito mais ser desempregado em um mundo de
natureza preservada. Há alguns que até mesmo comemoram a diminuição do
trabalho, já que diversas situações que antes geravam um processo legal, com a
nova Lei, deixariam de gerar. E há aqueles (como um chefe que tive no meu
início de carreira, no setor ambiental da Duke Energy) que agradeciam pelos
problemas ambientais, pois graças a estes ele tinha um emprego.
Lembro-me
bem de uma aula da matéria “Introdução à Engenharia Agronômica”, onde o
Professor Palestrante alertava para que não nos tornássemos meros vendedores de
adubo e agrotóxicos depois de formados, pois nossa profissão era muito mais
bela, abrangente e importante. Infelizmente, muitos dos meus nobres colegas de
curso, mesmo em cargos políticos e de gerenciamento, tornaram-se, direta ou
indiretamente, meros vendedores de adubo e agrotóxicos, fazendo jus aos
apelidos “batateiros” e “agricolões”.
Parte
do discurso de Al Pacino em “Perfume de Mulher” cabe também ao nosso ambiente
universitário: “Fabricantes de homens,
criadores de líderes. Tenham cuidado com o tipo de líderes que vocês produzem
aqui”.
De todos
os Engenheiros Agrônomos que conheci, os que de fato se tornaram vendedores de
adubo e/ou agrotóxicos são os que possuem os maiores salários (conheci casos de
vendedores agrônomos ganhando até 30 mil reais em um mês por conta de vendas
massivas em grandes fazendas, enquanto que a maioria dos agrônomos empregados
ganha em média algo em torno de 2,5 mil reais por mês, pois não existe na
prática o amparo do CREA ao salário mínimo profissional, que seria o
equivalente a nove salários mínimos regionais). Infelizmente são os vendedores
quem de fato são valorizados e que realizam a extensão rural no Brasil, levando
as "soluções" ao homem do campo, que coincidentemente sempre são o produto
que gera lucro para as empresas.
A falta
de valorização dos profissionais (salários, planos de carreira e estrutura)
propicia, quando o caráter não está bem formado, trabalhos mal executados e o
uso da estrutura para trabalhos alternativos, muitas vezes ilegais. Um dos lemas
infelizmente comuns ao serviço público é: “gerar
dificuldades para criar facilidades”. Resultados diferentes dos almejados,
além da demora e ineficiência no trâmite burocrático, criam um mercado paralelo
para procedimentos não autorizados, ou priorizados em função do pagamento de
propinas.
Esta
nova Lei é tão hedionda que para ela não cabe negociação. Qualquer negociação é
uma derrota. Não se deve falar em revisão, uma vez que ela é produto direto do
lobby ruralista, desprovido de assistência científica. Somente o veto total
pode ser positivo, seguido da formação de um novo grupo, bem intencionado,
contando com auxílio da comunidade científica, no sentido de rever a legislação
à luz da preservação e de forma a favorecer realmente o pequeno produtor, a
cadeia de alimentos produzidos de forma menos impactante e mais seguros (menos
contaminação por agrotóxicos e agentes biológicos).
Neste
momento cabe à comunidade científica registrar com clareza seus princípios
junto à constituição. As alterações no Código Florestal são de caráter
extremamente polêmico e vêm sendo alvo de críticas dos especialistas da área,
que argumentam sobre a inconstitucionalidade de dispositivos do “novo código
florestal”. A Lei deve ser questionada quanto à sua constitucionalidade pelo
Supremo Tribunal Federal que, infelizmente, historicamente demonstra tendência
a privilegiar os interesses políticos em desfavor do conhecimento técnico-científico.
Caso a Lei seja considerada constitucional, os recursos para discussão da
questão praticamente se esgotam (mas não se esgota a capacidade da população se
organizar e protestar). Só podemos ansiar e esperar por um julgamento realmente
justo, livre de influências e interferências do poder.
NOTA
DE REPÚDIO DA ABRAMPA
A Associação Brasileira dos Membros do
Ministério Público de Meio Ambiente - ABRAMPA, que congrega os Promotores e
Procuradores de Justiça, Procuradores da República e do Trabalho que militam na
área de defesa do meio ambiente no Brasil,
atenta ao direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, essencial
à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, vem manifestar
publicamente seu repúdio ao texto do chamado “Novo Código Florestal” aprovado
recentemente pela Câmara dos Deputados.
Não obstante as várias manifestações de
membros do Ministério Público, de organizações da sociedade civil, de
integrantes do poder público e de instituições de pesquisa, com demonstrações
científicas e empíricas cabais da inadequação da reforma, o Congresso Nacional
optou pela aprovação de um projeto de Lei que atende primordialmente aos
interesses econômicos de pequena parcela da população, em detrimento de um
direito fundamental consagrado pelo nosso texto constitucional e instrumentalizado
por normas ambientais conquistadas ao longo de décadas.
Tal opção representa uma afronta à
sociedade, sobretudo em um momento em que catástrofes ambientais e as
constantes mudanças climáticas indicam que a tutela ambiental é insuficiente e
necessita de ampliação.
Às vésperas da Rio+20, esperava-se que
os representantes do povo brasileiro buscassem garantir adequada proteção ao
meio ambiente, e que alterações legislativas na seara ambiental fossem feitas
de forma responsável, buscando avanços, assegurada a participação pública e o
equilíbrio dos diferentes interesses existentes.
A aprovação de uma Lei que reduz a
proteção jurídica ao direito fundamental ao meio ambiente, implicando evidente
retrocesso ambiental, é vedada pela ordem constitucional vigente e, portanto,
passível de questionamento junto ao Poder Judiciário.
Ante o exposto, a Associação Brasileira
dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente manifesta total repúdio ao
texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados, depositando
sua confiança no veto integral do texto pela Exma. Sra. Presidenta da República.
Brasília, 07 de maio de 2012, Sávio
Bittencourt - Presidente da ABRAMPA
Links
para o acesso público deste documento no Facebook: