"Vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque vou para cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo para uma serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida para mim que vivo na floresta e para vocês também que vivem nos centros urbanos."

Zé Claudio, assassinado em maio de 2011.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pequena história sobre agroecologia

Hoje a participação especial é de Jean Carlos de Souza, técnico agrícola com especialização em agroecologia, um estudante de 17 anos, que no interior de SC teve a oportunidade de estagiar em diferentes propriedades agrícolas que o ajudaram a optar pela agroecologia.


Muito tem se discutido e debatido sobre agroecologia, mas pouco se sabe a respeito dela. Isso é normal, pois é uma forma de agricultura que surgiu há pouco tempo; no entanto isso está errado também.

Vou explicar: até 1970 os agricultores não tinham acesso à tecnologia agrícola, e quando digo isso, me refiro a tratores, implementos agrícolas e produtos químicos. Então, pela lógica, eles cultivavam os alimentos sem agrotóxicos.

Só que era muito difícil de fazer isso. Imagine você, com uma enxada na mão, capinado o dia inteiro. A vida dos agricultores naquela época era muito difícil e sofrida. E não haviam grandes áreas cultivadas, no entanto haviam grandes desmatamentos. Mas porquê? Simples! Observe pela lei do mínimo esforço: é mais fácil cultivar ou criar animais? Lógico que é mais fácil criar animais.

Para criar animais –especialmente bovinos – é preciso de pasto; se eu tenho um terreno todo cheio de floresta e quero criar gado, o que eu preciso fazer? Isso mesmo! Desmatar. E os agricultores daquela época achavam isso muito bom pelos seguintes motivos: maioria das terras sem donos, era só invadir e ocupar; tinha muita madeira, que é igual a muito dinheiro; depois era só tocar fogo (sem gastar nada com isso, pois o fogo é de graça) e semear a pastagem; então quando a pastagem brotava, soltavam os bois para ganhar muito dinheiro!

Viu que é mais fácil criar animais? Por isso que houve tanto desmatamento naquela época e é daquela época que ressurgiu o “costume” das queimadas para “limpar” a área.

Eis que surge a parte mal da história. A partir de 1970 vem para o Brasil a revolução verde. E com ela vieram os tratores, agrotóxicos, fertilizantes químicos, fungicidas, pesticidas e todos os “idas” da vida, ou melhor, da morte. Todos esses produtos eram chamados de pacotes tecnológicos. Com isso os agricultores ficaram muito felizes, pois agora podiam cultivar com mais facilidade.

Então os latifundiários “inteligentes” que antes desbravaram e consumiram com a floresta, ficando com uma grande área de terras e com muito dinheiro, começaram a comprar os pacotes tecnológicos e começaram a plantar soja, milho, enfim, principalmente grãos. Antes eles tocavam fogo para limpar a área. Agora eles aplicam dessecante (veneno) para matar a vegetação rasteira. Agora me responda: qual é o pior? Tocar fogo ou passar veneno?

Vejam quão grande foi a agressão à natureza. E o tempo foi passando, e mais pessoas aderiram aos pacotes e mais área foi devastada para a agricultura.

Então recentemente as pessoas começaram a ver que fazia mal comer alimentos contaminados com agrotóxicos, que isso poderia dar câncer e outras tantas doenças. É aí que surge a agroecologia, que na verdade sempre existiu, até mesmo antes da revolução verde.

A maioria dos agricultores têm uma horta nos fundos da casa. Se por exemplo ele produz tomate para vender, e no tomate ele passa agrotóxico, ele não come aquele tomate. Ele produz o próprio tomate na sua horta, separado da roça de onde é passado veneno. Ele não comia o tomate da roça (envenenado) porque sabia que iria fazer mal para ele.

E esse foi o motivo pelo qual alguns agricultores começaram a parar de produzir com veneno, porque muitos começaram a se intoxicar e até mesmo morrer. Mas o agricultor precisava ganhar dinheiro! Não poderia parar de plantar, porque senão iria morrer de fome (que ironia né?). Com isso ele começou a levar para a feira o produto que ele produzia sem veneno e fazia a propaganda de que aquele alimento não fazia mal.

A procura foi muito grande, que o entusiasmou a produzir mais e aumentar o valor do seu produto. Só que aí o agricultor agroecológico comprou uma briga com o agricultor convencional (que passa veneno). O agricultor convencional pensou: “como é que o agroecológico vende o produto dele mais caro que o meu e não gasta nada para produzir?”

Foi aí que o convencional começou a falar mal da agroecologia para as pessoas acharem que o produto orgânico sim é que fazia mal, que era todo cheio de parasitas que poderiam fazer mal à saúde, restringindo com isso mercado do agroecológico. Empresas que produzem agrotóxicos também falaram (e falam) mal da agroecologia e isso é lógico: se eu produzo agroecologicamente eu não vou passar veneno e não vou comprar veneno e se eu não comprar veneno a empresa não vai lucrar (Viva o capitalismo!).

Ano passado o governo federal quis lançar uma cartilha* “o olho do consumidor” que explicava sobre os alimentos orgânicos e na página 9 falava mal dos agrotóxicos. E “por acaso” ela não foi lançada. Sabe por quem? Simplesmente porque uma empresa (não vou falar o nome da empresa, pois não quero ser morto por um assassino contratado por ela) que produz dessecante foliar, que contém na sua fórmula química o glifosato, amplamente conhecido pelos agricultores, que tem propaganda na TV aberta defendendo o uso daquele veneno com da marca deles e não o da marca convencional... (se você digitar no Google “glifosato” o segundo resultado vai te dar o nome da empresa) afinal que essa empresa subornou pediu para o governo não publicar o material. Só que o material vazou! E houve uma polêmica enorme sobre isso e o governo acabou sendo obrigado a publicar a cartilha. A moral desse parágrafo é que a agroecologia parece que não vai pra frente por culpa dessas empresas que ficam atrapalhando o caminho.

Na atualidade há poucos agricultores agroecológicos se comparado com o convencional e o motivo é a lei do mínimo esforço. É mais fácil capinar ou passar veneno?

*Seria bom você ler essa cartilha que eu lhe falei, que está disponível na página do ministério da agricultura: http://www.agricultura.gov.br/images/MAPA/arquivos_portal/ACS/cartilha_ziraldo.pdf

Caro leitor: esse texto foi escrito de maneira didática para que você entender como que surgiu a agroecologia. Há muitos detalhes a mais nessa pequena história que não foi exposto. Aos críticos: “Todo o ponto de vista depende da vista do ponto.”

Jean Carlos de Souza

Técnico Agrícola com Habilitação em Agroecologia
 
 
Jean, agradeço seu texto e a sua participação neste blog. Este é o primeiro texto referente ao assunto, que pretendo abordar cada vez mais por aqui...

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