"Vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque vou para cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo para uma serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida para mim que vivo na floresta e para vocês também que vivem nos centros urbanos."

Zé Claudio, assassinado em maio de 2011.



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Somos praga no planeta?

Mais um genial texto de Maurício Gomide Martins. Já havia postado aqui um texto de sua autoria  (Excesso Populacional), sem lhe dar os devidos créditos.

Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.

O livro "Agora ou Nunca Mais", está disponível para acesso integral, gratuito e no formato PDF, clicando aqui.

Ainda assim, o autor teve humildade e tempo suficientes, para responder, rapidamente, ao e-mail que lhe enviei, pedindo autorização para postar seu texto por aqui. E certamente, muitos textos dele, ainda ocuparão este espaço. Segue:


Somos praga no planeta?

Praga tem diversas acepções, mas a definição objeto de nossas considerações é simplesmente a que se refere à quantidade excessiva de um fator num sistema, desqualificando o próprio sistema. Em outras palavras: presença em quantidade superior à que um sistema coeso consegue suportar. Essa situação só pode ocasionar o desequilíbrio entre as forças de qualquer ambiente, causando o desarranjo harmônico entre as partes e, consequentemente, o caos.

Sobre esse princípio são construídas as principais máquinas destrutivas para a guerra. Um exemplo simples é o da granada. Contido em espaço restrito, numa situação de estabilidade, basta o conteúdo ser transformado em gás para que ele cumpra sua missão química de expansão, causando a desordem pontual e suas calamitosas conseqüências. O poder destrutivo da granada se deve à extrema rapidez – praticamente instantânea – da ocorrência das fases do processo.

No campo biológico, ocorre o mesmo roteiro apontado acima, só que em tempo muito mais lento. O dano, no entanto, pode ser considerado equivalente.

Quando um agricultor verifica que apareceram insetos sugadores (digamos, o percevejo verde) em sua lavoura de soja, contrata um agrônomo para cuidar do problema. O profissional comparece ao campo de plantio e faz uma análise da situação. Colhe uma amostra estratificada e faz seu ajuizamento, no qual pondera diversas circunstâncias: tamanho e estágio vegetativo da lavoura, índice da incidência dos insetos, cálculos sobre capacidade de produção, custos diversos, etc. Após ponderar os dados obtidos, formará um juízo técnico para a ocasião.

Poderá dizer ao agricultor que nada deve ser feito no combate aos insetos no momento. Acrescentará, naturalmente, que a invasão ainda não constitui uma ameaça à lucratividade da colheita estimada. Seu veredito vale para aquela visita, em função do aspecto econômico. Suas análises semanais posteriores guiarão as conclusões parciais ou definitivas.

Enquanto o agrônomo trabalha, os hóspedes indesejados, inocentes e alheios a tudo, continuam no seu labor natural de vida. Estão ali, num campo farto de alimento e cumprem o objetivo natural da reprodução. O instinto não lhes informa nem eles são capazes de medir as conseqüências do crescimento populacional. Prosseguem o roteiro natural, em obediência ao imperativo genético. Não sabem que, ao atingirem certo índice de infestação, o agrônomo decretará a mudança do seu nome: de percevejo para praga, nome genérico terrível que iguala todos os seres que se atrevam a serem protagonistas do desequilíbrio ambiental.

A reação será violenta. É uma situação extrema de luta de vida ou morte. Nessa qualificação de praga, a decisão do profissional não mais será a de tolerância, mas a de combate mortal com uso de todo o arsenal disponível, inclusive o químico. Assim, a tragédia da mortandade naquele ambiente agrícola será irreversível. Os agrotóxicos varrerão da vida todos os habitantes da cultura, inclusive os inocentes insetos benéficos que ali estavam tentando manter o equilíbrio biológico.

Se tal lavoura fosse deixada ao seu próprio destino, sem assistência do profissional, o prejuízo para o lavrador seria total. Como fonte alimentícia para o percevejo, tenderia ao esgotamento total, levando à inanição e morte toda a comunidade hospedeira. As disponibilidades ambientais se extinguiriam e a situação mudaria para um estado caótico em que a tragédia não pouparia ninguém e somente a Natureza saberia como estabilizar.

O animal humano, que se faz representar em todo o globo por sua população de quase 7 bilhões de indivíduos, com sua visão egoística e interferindo na dinâmica ecológica da terra, dos rios, dos mares, da atmosfera, provoca os mesmos danos que o percevejo da soja. A diferença é que, no exemplo citado, fizemos um enfoque no trabalho de um agricultor mantendo um objetivo produtivo. Já no enfoque da situação real por que passa o planeta em seus recursos, a fome dos humanos é contínua e geometricamente cumulativa: fome alimentícia; fome de lucro; fome de comodismo; fome de grandeza; fome de supérfluos; fome de entesouramento. Segundo os cálculos atualizados, as ações humanas retiram do planeta 40% a mais do que ele consegue disponibilizar pela dinâmica natural.

Há, portanto, uma queima de capital, um déficit de recursos, uma desproporcionalidade, um desequilíbrio ambiental gravíssimo. Estamos gastando o futuro para o qual nossos descendentes nascerão munidos da vã esperança de viver em ambiente sustentável.

Alguns animais demonstram possuir um instinto muito mais eficiente que a inteligência humana. Ante a visão crítica de uma superpopulação, certos animais procedem de modo inteiramente racional. O lemingue do norte-europeu resolve o problema com o suicídio em massa. As abelhas excedentes de uma colméia abandonam o lar numa revoada incerta, procurando formar nova colônia. As lulas entram em coma pré-morte sobre seus próprios ovos, numa fantástica demonstração de renúncia à vida-elo em beneficio à vida-corrente.

Não estamos recomendando suicídio a ninguém, mas sugerimos que o animal humano tem a capacidade mental de equacionar e solucionar seus problemas existenciais. Ainda há um tempo curtíssimo, mas alertamos que aos poucos ele se esvai, e a solução se tornará impossível.

Considerada a pegada ecológica, a população mundial equivale, no mínimo, a 100 vezes seu número nominal. Por isso, mudamos de nome. Não somos mais o animal racional, o rei dos seres vivos, o centro do universo; somos simplesmente praga. Deixamos de ser animais racionais para sermos predadores da própria mãe Terra, aquela que nos fornece, com amor e ternura, abrigo, alimento, vida.

Dois fatores incisivos nos levam a essa situação trágica: o antropocentrismo e a ganância. Nós nos esquecemos que o ecossistema inclui a biodiversidade e que nossa individualidade é transitória. Nós, como animal humano, não somos indivíduos, somos a humanidade, parte do todo planetário.

Nessa situação, só nos resta aguardar que um agrônomo celestial venha salvar a Vida planetária, tirando-nossa existência e toda a riqueza material que, paradoxalmente, teimamos em acumular.

Somos praga no planeta. Não aceitamos esse nome, pois o egocentrismo de espécie cega nossa razão. Contudo, essa cegueira não impede que sejamos praga e, nessa qualidade, já selamos nosso destino.


Minha maior recompensa com este blog, certamente é descobrir, cada vez mais, textos incríveis, escritores fantásticos e principalmente seres-humanos atuantes e engajados, escondidos pelas palavras...

É inexplicavelmente reconfortante e acolhedor poder ler algo que traduza tão perfeitamente nossas próprias teorias e concepções. Nossos valores e princípios. A nossa verdade!


Qualquer criatura do Universo, que tiver essa (ou semelhante) visão  do nosso planeta...concluirá que ele está morrendo aos poucos, vitimado por uma praga...composta por 7 bilhões de indivíduos.

3 comentários:

JAFA disse...

O texto é mesmo excelente! Vi esses dias um programa na Discovery acerca da projeção de crescimento da população mundial e seus efeitos devastadores sobre o planeta e fiquei perplexa. Fiz apontamentos que espero virem um post em breve. Bjn...

Leonardo la Janz disse...

Excelente, Mariana!

Eu também não conhecia esse autor mas com certeza irei buscar maiores informações sobre ele.. De fato, é realmente reconfortante saber que, mesmo em meio a essa gigantesca alienação generalizada, ainda se encontram pessoas verdadeiramente conscientes e engajadas. A propósito, esse texto me fez lembrar de um brilhante trecho do filme Matrix, o qual não pude deixar de resgatar para também compartilhá-lo contigo! :D

"The human as a virus"
http://verd.in/2dn

Abraço fraterno e jamais pare com esse teu precioso trabalho de conscientização! L.janz.

Mariana MT disse...

Jafa - só posso aguradar ansiosa pela sua postagem!

L. Janz - agradeço por dividir consco. Essa...é certamente a maior razão deste blog: compartilhar conhecimento!

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